sexta-feira, 10 de junho de 2011

G.P. do Canadá de 1980 : a batalha Jones - Piquet



Sempre que falamos de acidentes polêmicos que decidiram títulos mundiais todos se lembram dos episódios de Ayrton Senna com Alain Prost no G.P. do Japão de 1989 e 1990, de Michael Schumacher com Damon Hill no G.P. da Austrália de 1994 e do mesmo Schumacher com Jacques Villeneuve no G.P. da Europa de 1997. No entanto, existe um que sempre passa despercebido, e que se não foi tão evidente como esses, acabou indiretamente decidindo o Mundial de F1 de 1980.

Naquele ano, Nélson Piquet da Brabham e Alan Jones da Williams, disputavam o título quando embarcaram em Montreal para a disputa do G.P. do Canadá, penúltima prova daquele mundial. Piquet tinha um ponto de vantagem sobre Jones, mas era o australiano que poderia ser o campeão por antecipação devido a um detalhe do regulamento. Na época, o Mundial tinha 14 GPs e era dividido em duas partes de sete corridas, em que os dois piores resultados de cada parte seriam descartados. Como Piquet tinha marcado pontos nas últimas 5 corridas, mesmo que vencesse em Montreal, teria que descartar um resultado, que seria o 5º lugar na Áustria. Mas havia uma possibilidade pior, se Jones vencesse e Piquet chegasse no máximo em 5º, o mundial já estaria decidido a favor do australiano.


Ao vencer na Itália, Piquet assumiu a liderança do campeonato
com 1 ponto de vantagem sobre Jones. Mas o regulamento
favorecia o australiano, que poderia ser campeão no Canadá

No entanto, nada indicava que isso iria acontecer, já que Piquet estava vivendo o seu melhor momento no campeonato, tendo vencido as duas últimas corridas, na Holanda e na Itália. O brasileiro se tornou ainda mais favorito quando fez a pole position no sábado, com absurdos 8 décimos de vantagem sobre Jones que era o segundo. O australiano, que liderara boa parte do campeonato, parecia descontrolado depois do treino, percebendo que o título que parecia tão certo estava escapando e que se Piquet largasse melhor, seria difícil pegá-lo...

A largada seria então crucial, e de fato, acabou se revelando decisiva para o título numa manobra pra lá de discutível de Jones. O australiano arrancou um pouco melhor e parecia levar vantagem, mas Piquet se recuperara e estava do lado do australiano quando este jogou o carro em cima do Brabham. O brasileiro ficou espremido entre o Williams e o muro, e o choque dos dois pilotos se tornou inevitável. Piquet terminaria batendo no muro e quebrando a suspensão dianteira, enquanto que atrás imperou o caos numa batida múltipla que envolveu Keke Rosberg, Mario Andretti, Jean Pierre Jarier, Emerson Fittipaldi, Gilles Villeneuve, Jochen Mass e Derek Daly, num total de 8 carros, em um dos maiores acidentes da história da F1.


Jones liderou boa parte do Mundial de 1980. Mas
quando a F1 desembarcou na América do Norte,
Piquet ameaçava seriamente um título
que muitos já davam como certo.

Imediatamente a corrida foi suspensa, sendo autorizada uma nova largada. Piquet foi obrigado a pegar o carro reserva, o que evidentemente não era o ideal para a situação. Dada uma nova partida, o brasileiro caiu para 3º, mas se recuperou de uma forma impressionante, ultrapassando Didier Pironi e Alan Jones brilhantemente em apenas duas voltas, assumindo a liderança até quebrar o motor na 23ª volta. O líder passou a ser Pironi, mas o francês foi penalizado em 1 minuto por ter queimado a largada, do que se aproveitou Jones para vencer a prova e o campeonato.

Finda a corrida, uma atmosfera estranha pairou no ar. Tinha sido claro que Jones foi no mínimo imprudente na 1ª largada, provocando um acidente que eliminou 1/3 dos carros, e que de quebra obrigou o seu rival Piquet a largar com o 2º carro. Carro por sinal que não estava tão bem preparado como o titular, e que teria  uma falha no motor, um problema que o brasileiro não teve o ano inteiro. Parecia evidente para todos que o acidente foi decisivo para o título. Mas o que fazer ? Desclassificar Jones ? Até então, jamais um campeonato foi decidido por um acidente envolvendo os principais protagonistas, então ninguém sabia como agir exatamente, mesmo porque não dava para  ter certeza se  tinha havido má fé de Jones.




Acima o video da transmissão da corrida pela TV Bandeirantes, com narração de Galvão  Bueno e comentários de Giu Ferreira, onde Galvão mandou uma de suas primeiras tiradas ufanistas : "saí da frente Jones !". Mas a revolta no Brasil contra o australiano era grande mesmo e com razão.

Como era de se esperar, a maior parte da mídia inglesa, a mais influente da F1, ficou ao lado do piloto da comunidade britânica. Se  eles não chegaram ao ponto de acusar o brasileiro, procuraram inocentar o australiano, alegando que Jones se jogou para a direita para defender a posição, imaginando que Piquet fosse tirar o pé. Talvez não tenha passado pela cabeça deles que o brasileiro não o fez, porque não teria tempo de fazê-lo...

Quem acabou surpreendentemente pondo um fim a polêmica foi o próprio Piquet que não quis entrar muito no mérito da culpabilidade de Jones, preferindo realçar sua boa temporada de F1 : "Eu não tenho por que me queixar. Venci três grandes prêmios e saí vice-campeão mundial. Para mim tudo é lucro. Ninguém apostava em mim no começo da temporada e agora sou um dos favoritos para a próxima".


Com a quebra do motor de Piquet e a penalização de Pironi,
Alan Jones ganhou a corrida e o campeonato, se
tornando o segundo australiano campeão
da F1 depois de Jack Brabham

Se Piquet acertou na previsão para 1981 ( seria o campeão ) se arrependeu pouco depois de não criticar Jones pelo acidente no Canadá, quando o australiano  o jogou para fora da pista meses mais tarde, no G.P. da Bélgica de 1981 . Desta vez Piquet ficou furioso, e falou abertamente para a imprensa, em Zolder, que esta foi a segunda vez que Jones o tira da pista e que desta vez ele daria o troco.

No entanto, esse foi o último ato de desentendimento entre os dois. No final do ano, ao comemorar o título no pódium em Las Vegas, Piquet deu um demorado abraço em Jones, que venceu a prova. Para o australiano, a rivalidade com Piquet não era nada, se comparada com a que tinha com seu companheiro de equipe na Williams, Carlos Reutemann. Alí sim , o ódio era reciproco. Como o brasileiro naquele exato momento tinha acabado de tirar o título do argentino...


 Jody Scheckter : "O importante é que a história mostrará
Alan Jones (foto) como o campeão mundial de 1980 e
daqui há algum tempo os "se" e os "mas"
 serão esquecidos" 

Ao não alimentar a polêmica do acidente de Montreal, Nelson Piquet, de certa forma,  ajudou que esse episódio fosse esquecido através dos anos. Jody Scheckter, o então campeão do mundo, declarou na época : "A corrida não foi muito admirável. Jones se tornou campeão em circunstâncias um pouco ocasionais. Ele e Piquet chegaram juntos a 1ª curva e se chocaram. A corrida foi interrompida e Piquet teve a desvantagem de ficar com o carro reserva. Não era a melhor coisa que lhe poderia acontecer a essa altura do campeonato. Depois uma falha na máquina o tirou da corrida e tudo que Jones fez foi ganhar para ficar com o título. E ganhou oficialmente, apesar de Pironi chegar quase um minuto à sua frente. O importante, todavia, é que a história mostrará Jones como o campeão mundial de 1980 e daqui há algum tempo os "se" e os "mas" serão esquecidos". Pois é, eles foram mesmo Jody...

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