terça-feira, 16 de novembro de 2010

Quinteto de Reis

Largada do G.P. da Austrália de 1985 : a última corrida
de F-1 em que participaram 5 campeões  mundiais.
             
Quando a Fórmula 1 se reunir para a abertura da temporada de 2011, no dia 13 de março em Bahrein, 5 campeões mundiais estarão presentes no grid de largada : o hepta-campeão Michael Schumacher ( 1994 - 1995 - 2000 - 2001 - 2002 - 2003 - 2004 ) , o bi-campeão Fernando Alonso ( 2005 - 2006 ) , os campeões Lewis Hamilton ( 2008 ) e Jenson Button ( 2009 ) , e o recém coroado Sebastian Vettel ( 2010 ). O fato embora seja extremamente raro,  não é totalmente inédito. A última vez que isso aconteceu foi no longínquo G.P. da Austrália de 1985, há 25 anos atrás, prova que encerrou o Mundial de Pilotos naquele ano. 

O G.P. da Austrália de 1985 seria o último
da carreira de Niki Lauda na Fórmula 1
Na época, o quinteto de campeões tinha como um dos seus maiores destaques o brasileiro Nelson Piquet, que havia conquistado os títulos  da Fórmula 1 em 1981 e 1983, e que disputava sua última corrida pela equipe Brabham, já que estava de malas prontas para correr pela Williams em 1986. Williams, aliás, que tinha o campeão mundial de 1982, Keke Rosberg, e que, assim como Nelson,  estava também de mudança, mas para a McLaren, onde correria ao lado do mais novo campeão mundial, Alain Prost, que havia sido coroado apenas duas corridas antes, no G.P. da Europa, em Brands Hatch. A corrida australiana significaria também a despedida das pistas do companheiro de Prost na McLaren, Niki Lauda, tri-campeão de F-1 ( 1975 - 1977 - 1984 ) , e um dos maiores mitos da história do automobilismo. Se Lauda estava indo embora, Alan Jones estava voltando. Campeão do Mundo em 1980, o australiano aparecia gordo e completamente fora de forma, correndo pela equipe americana Lola Haas.

 A situação no entanto, desse G.P. da Austrália, foi totalmente atípica.  Era a última corrida do Mundial de 1985 e foi a primeira e única prova em que esses cinco pilotos correram realmente juntos como campeões do mundo. Afinal, com a retirada de Lauda, eles já seriam reduzidos para quatro na corrida de abertura do Mundial de 1986. Se levarmos em consideração apenas a participação dos campeões desde o início de uma temporada de F-1 teríamos  que voltar ainda mais no tempo para existir uma situação semelhante a de 2011 : 5 campeões participando, de fato, de um Mundial de Fórmula 1. E a última vez que isso aconteceu foi no ainda mais longínquo ano de 1970...

Jack Brabham : um dos cinco campeões
mundiais que disputaram a
abertura da temporada de 1970
Naquele ano, a abertura da temporada foi com o G.P. da África do Sul, em Kyalami, e o vencedor da corrida foi o veterano australiano Jack Brabham que havia obtido os títulos da F-1 em 1959, 1960 e 1966, e que, aos 43 anos, iniciara brilhantemente seu último ano na Fórmula 1. O australiano, desde 1963, corria com um carro construído por ele mesmo. Tão veterano como Brabham era o inglês Graham Hill, bi-campeão em 1962 e 1968, e que vinha se convalecendo de terriveis fraturas sofridas nas pernas em um  acidente no G.P. dos Estados Unidos de 1969, em Watklins Glen. Para disputar o GP sul africano, Hill praticamente tinha que ser carregado para dentro do seu Lotus. A McLaren corria com dois campeões : John Surtees, que havia ganho o título de 1964, e Denis Hulme, campeão em 1967. Por fim o quinto coroado era Jackie Stewart, que era o então campeão do mundo e considerado junto com Jochen Rindt, o maior piloto da época.
 
Com a morte de Mike Hawthorn a F-1 não teria
nenhum campeão na abertura do Mundial
de 1959. Um fato inédito e jamais repetido.
Além de 1970, a única temporada que se iniciou com 5 campeões mundiais foi a de 1968. Os pilotos eram os mesmos citados acima, com exceção de Stewart, que ainda não era campeão, e com a inclusão de Jim Clark, bi em 1963 e 1965, mas que morreria em abril de 1968 em um acidente de F-2 em Hockenheim, na Alemanha.

Por outro lado, no início do Mundial de 1959, teríamos um fato inédito e que nunca mais seria repetido :  não havia nenhum campeão mundial em atividade na F-1 na corrida de abertura da temporada, já que Farina e Fangio haviam se retirado das pistas, Ascari tinha morrido em Monza em 1955, e Mike Hawthorn, o então campeão, havia também morrido em um acidente de estrada, em janeiro de 1959, poucas semanas depois de ter anunciado que abandonaria as pistas.

Já no início da temporada de 1994, Senna era o único campeão da F-1 em ação, participando das três primeiras corridas e morrendo na terceira. Depois  tivemos naquele ano vários GPs sem a presença de sequer um campeão mundial. Piquet e Prost já tinham se aposentado e Mansell correu apenas algumas provas. O G.P. de Portugal de 1994 foi a última corrida da história da F-1 sem a participação de um campeão mundial.


G.P. de Portugal de 1994 : última corrida da história
da F-1 sem a participação de um campeão mundial.

Abaixo, segue a lista dos Campeões do Mundo em atividade na corrida de abertura de cada temporada de F-1, com o número de títulos obtidos até então :

1951 : Farina ( 1 )


1952 : Farina ( 1 )


1953 : Farina ( 1 ) , Fangio ( 1 ) , Ascari ( 1 )


1954 : Farina ( 1 ) , Fangio ( 1 )


1955 : Farina ( 1 ) , Fangio ( 2 ), Ascari ( 2 )


1956 : Fangio ( 3 )


1957 : Fangio ( 4 )


1958 : Fangio ( 5 )


1959 : nenhum campeão


1960 : Brabham ( 1 )


1961 : Brabham ( 2 )


1962 : Brabham ( 2 ) , P. Hill ( 1 )


1963 : Brabham ( 2 ) , G. Hill ( 1 )


1964 : Brabham ( 2 ) , P. Hill ( 1 ) , G. Hill ( 1 ) , Clark ( 1 )


1965 : Brabham ( 2 ) , G. Hill ( 1 ) , Clark ( 1 ) , Surtees ( 1 )


1966 : Brabham ( 2 ) , G. Hill ( 1 ) , Clark ( 2 ) , Surtees ( 1 )


1967 : Brabham ( 3 ) , G. Hill ( 1 ) , Clark ( 2 ) , Surtees ( 1 )


1968 : Brabham ( 3 ) , G. Hill ( 1 ) , Clark ( 2 ) , Surtees ( 1 ) , Hulme ( 1 )


1969 : Brabham ( 3 ) , G. Hill ( 2 ) , Surtees ( 1 ) , Hulme ( 1 )


1970 : Brabham ( 3 ) , G. Hill ( 2 ) , Surtees ( 1 ) , Hulme ( 1 ) , Stewart ( 1 )


1971 : G. Hill ( 2 ) , Surtees ( 1 ) , Hulme ( 1 ) , Stewart ( 1 )


1972 : G. Hill ( 2 ) , Hulme ( 1 ) , Stewart ( 2 )


1973 : Hulme ( 1 ) , Stewart ( 2 ) , Fittipaldi ( 1 )


1974 : G. Hill ( 2 ) , Hulme ( 1 ) , Fittipaldi ( 1 )


1975 : G. Hill ( 2 ) , Fittipaldi ( 2 )


1976 : Fittipaldi ( 2 ) , Lauda ( 1 )


1977 : Fittipaldi ( 2 ) , Lauda ( 1 ) , Hunt ( 1 )


1978 : Fittipaldi ( 2 ) , Lauda ( 2 ) , Hunt ( 1 )


1979 : Fittipaldi ( 2 ) , Lauda ( 2 ) , Hunt ( 1 ) , Andretti ( 1 )


1980 : Fittipaldi ( 2 ) , Andretti ( 1 ) , Scheckter ( 1 )


1981 : Andretti ( 1 ) , Jones ( 1 )


1982 : Lauda ( 2 ) , Piquet ( 1 )


1983 : Lauda ( 2 ) , Piquet ( 1 ) , Rosberg ( 1 )


1984 : Lauda ( 2 ) , Piquet ( 2 ) , Rosberg ( 1 )


1985 : Lauda ( 3 ) , Piquet ( 2 ) , Rosberg ( 1 )


1986 : Jones ( 1 ) , Piquet ( 2 ) , Rosberg ( 1 ) , Prost ( 1 )


1987 : Piquet ( 2 ) , Prost ( 2 )


1988 : Piquet ( 3 ) , Prost ( 2 )


1989 : Piquet ( 3 ) , Prost ( 2 ) , Senna ( 1 )


1990 : Piquet ( 3 ) , Prost ( 3 ) , Senna ( 1 )


1991 : Piquet ( 3 ) , Prost ( 3 ) , Senna ( 2 )


1992 : Senna ( 3 )


1993 : Prost ( 3 ) , Senna ( 3 )


1994 : Senna ( 3 )


1995 : Schumacher ( 1 )


1996 : Schumacher ( 2 )


1997 : Schumacher ( 2 ) , Hill ( 1 )


1998 : Schumacher ( 2 ) , Hill ( 1 ) , Villeneuve ( 1 )


1999 : Schumacher ( 2 ) , Hill ( 1 ) , Villeneuve ( 1 ) , Hakkinen ( 1 )


2000 : Schumacher ( 2 ) , Villeneuve ( 1 ) , Hakkinen ( 2 )


2001 : Schumacher ( 3 ) , Villeneuve ( 1 ) , Hakkinen ( 2 )


2002 : Schumacher ( 4 ) , Villeneuve ( 1 ) 


2003 : Schumacher ( 5 ) , Villeneuve ( 1 )


2004 : Schumacher ( 6 ) 


2005 : Schumacher ( 7 ) , Villeneuve ( 1 )


2006 : Schumacher ( 7 ) , Villeneuve ( 1 ) , Alonso ( 1 )


2007 : Alonso ( 2 )

2008 : Alonso ( 2 ) , Raikkonen ( 1 )


2009 : Alonso ( 2 ) , Raikkonen ( 1 ) , Hamilton ( 1 )


2010 : Schumacher ( 7 ) , Alonso ( 2 ), Hamilton ( 1 ), Button ( 1 )


2011 : Schumacher ( 7 ) , Alonso ( 2 ), Hamilton ( 1 ), Button ( 1 ), Vettel ( 1 )

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Jochen Rindt morreu no carro de Emerson ?

Monza, 5 de setembro de 1970 - Jochen Rindt sofre um acidente fatal na
curva Parabólica. Teria o austríaco morrido no carro de Emerson ?
 
Em abril deste ano, Emerson Fittipaldi concedeu uma entrevista emocionante  para o programa de Galvão Bueno no canal Sportv. Com sua simpatia habitual, Emerson falou de sua carreira no automobilismo desde o início no Kart. No entanto, uma afirmação do piloto me deixou intrigado : a de que Jochen Rindt morreu nos treinos do G.P. da Itália de 1970 com o Lotus que deveria ser pilotado por ele. ( ver o trecho da entrevista no video abaixo ). Emerson conta que destruiu o carro de Rindt nos treinos de sexta-feira e por isso o chefe de equipe da Lotus, Colin Chapman, mandou ele ceder o seu carro para o austríaco no sábado, quando aconteceria o acidente fatal. A informação, contudo, vai de contra-mão de tudo que  foi divulgado a respeito do acidente até hoje e, mais importante do que isso, contradiz o depoimento da época  do próprio Emerson.



Emerson teve entre 1969 e 1980 uma coluna excelente na revista Quatro Rodas onde ele contava tudo que acontecia nas corridas. Mais do que uma coluna, Emerson era o próprio repórter da revista, pois nos primeiros anos da década de 70 a editora Abril não mandava um jornalista especializado cobrir o Mundial de F-1. Era o próprio Emerson que fazia as reportagens e a revista até usou um slogan quando o brasileiro conquistou o título da F-1 em 1972 : "Nosso repórter campeão do mundo".             

Quatro Rodas Nº 123 - Outubro 1970
Em Outubro de 1970, saiu a edição da revista Quatro Rodas com o relato de Emerson sobre o G.P. da Itália. Reproduzimos aqui os trechos mais significativos contados pelo piloto brasileiro :

"Jochen Rindt morreu depois de um acidente na pista de Monza, na mesma curva Parabólica em que eu havia batido o carro no dia anterior. Poucos minutos antes de sair para duas ou três voltas de que não voltaria com sua Lotus 72, ele estava sentado comigo no boxe falando sobre o futuro. Eu estava esperando meu carro ficar pronto, depois da batida que escapei por muita sorte. (...) Pouco depois ele saiu para treinar. Só fui vê-lo de novo no hospital, onde ele chegou morto."

"A notícia do acidente me foi dada pelo chefe da equipe da Lotus, que veio correndo : "O Rindt se acidentou. O carro ficou arrebentado, mas parece que ele não sofreu nada. Vai continuar treinando no seu carro ou no do Miles."

  O título da matéria com o depoimento
exclusivo de Emerson Fittipaldi.
"Fiquei um pouco assustado, mas como ele estava pedindo meu carro para Rindt treinar, pensei que de fato nada de grave havia acontecido e pedi aos mecânicos que apressassem o trabalho, porque Rindt ia precisar do carro. Pouco depois vi um trailer parar no boxe e ouvi a sirene de uma ambulância na pista. Achei estranho todo aquele movimento e a preocupação voltou. Fui ao boxe de Rindt perguntar o que havia e soube que ele não estava bem : tinha sido levado para o hospital. Logo depois, o chefe de equipe mandou que recolhessem tudo, porque iamos embora de Monza. Foi quando percebi que o acidente tinha sido muito grave.  Carros e peças da Lotus foram recolhidos e levados de Monza e eu fui ao hospital. Rindt já estava morto." 
 
Jochen Rindt com seu Lotus 72, minutos antes do acidente que o matou.

"A semana que antecedeu o desastre de Rindt foi de grande expectativa para mim porque eu iria correr pela primeira vez num Lotus 72. (...) Os mecânicos haviam trabalhado muito para que eu tivesse o carro em Monza. Todos demonstravam enorme boa vontade e estavam eufóricos com o novo carro. Para mim, ele tinha um significado especial : era feito especialmente para eu pilotar." 
 
"Os trabalhos finais com meu Lotus 72 me fizeram perder a primeira hora e meia de treino. Rindt e Miles já estavam treinando, quando afinal o terceiro Lotus 72 da equipe, o meu, ficou pronto para os treinos. (...) Dei umas quatro ou cinco voltas e parei nos boxes para uma vistoria geral. Quis tirar o aerofólio, porque Rindt e Miles já estavam rodando sem ele, e Chapman concordou". Depois Emerson contaria que voltaria a pista, e três voltas depois destruiria o Lotus 72.

   As primeiras notícias foram que Rindt escapara ileso.
A realidade porém era outra.
O gesto do mecânico da Lotus diz tudo.

É evidente que existem aspectos fundamentais que diferenciam os dois depoimentos. A questão que fica é : o que levou Emerson a fazer duas declarações tão antagônicas ? Em primeiro lugar é importante salientar que em nenhum momento o programa de Galvão Bueno anunciou que Emerson daria um depoimento com informações "jamais reveladas" sobre a morte de Rindt. Dado o inediatismo da notícia, isso teria que ser feito. Se não foi, é por uma razão muito simples : ninguém percebeu que Emerson não só deu uma informação inédita como também equivocada,  e que  foi aceita imediatamente pelo programa sem o devido cuidado. Será que Emerson omitiu a verdade no depoimento à revista Quatro Rodas na época e que todas as informações reveladas até hoje sobre esse acidente pelas revistas especializadas  estão erradas ? Não, claro que não. O que provavelmente aconteceu foi uma simples confusão feita por Emerson no programa e que foi intensificada por uma intervenção de Galvão Bueno que ratificou o engano do bicampeão mundial.

Vitória e morte andam mais juntas no automobilismo
do que em qualquer outro esporte.
1970 trouxe ambas para Jochen Rindt.
Se vocês repararem Galvão fez uma pergunta para Emerson ( com 1 minuto e 10 segundos no video ) que gerou toda a confusão : "se era lenda ou verdade que o Colin Chapman pediu para você fazer um teste e tirar as asas do carro". Emerson diz que sim ( no texto ele escreve que foi ele mesmo que pediu, porque os outros pilotos da Lotus já treinavam sem asas ) e começa a se confundir quando diz que pegou o Lotus de Rindt para amaciar o carro para o austríaco ( em nenhum momento do texto Emerson  menciona isso, sem contar que Rindt jamais deixaria um novato amaciar o seu carro, não só porque ele estava disputando um título mundial, como porque o brasileiro jamais havia pilotado o Lotus 72 e nunca tinha corrido em Monza ). Emerson então descreve o acidente e aumenta a confusão quando responde afirmamente a pergunta de Galvão ( aos 3 minutos ) :  "se era verdade que o Chapman então virou para você e falou que ia dar o seu  carro para o Rindt ? ". Galvão depois, bem ao seu estilo, repete várias vezes que Rindt morreu no carro que Emerson iria pilotar. 

No G.P. da França, na espetacular pista de
Clermont-Ferrand ( foto ) , Rindt obteria a terceira
de suas cinco vitórias em 1970.
 Emerson com certeza se confundiu com o fato da equipe ter pedido que seu Lotus 72 fosse cedido à Rindt após o acidente do austríaco, o que acabou não se consumando, pois se pensava que Rindt estivesse bem. Como o engano se deu no momento mais emocionante da entrevista, o fato passou despercebido para Emerson. O que me parece estranho é que esses programas são gravados com grande antecedência e havia tempo suficiente para os editores do programa confirmarem ou não as informações relatadas. Dizer que Rindt morreu no carro de Emerson era um fato novo, e ninguém percebeu isso. Pior : era uma informação completamente equivocada. Este erro pode até ter sido detectado depois, mas deixaram passar, já que isso significaria refazer a cena toda da emoção ( sincera ) de Emerson e talvez fosse mesmo difícil voltar  atrás.  No entanto, com ou sem intenção, foi criada uma versão fantasiosa do acidente que matou Rindt. Cabe aqui um parêntese. 

Em um espaço curto de três meses, Emerson passaria por emoções
inimagináveis para um piloto que acabara de estrear na F-1

Emerson viveria em poucos meses de 1970 emoções inimagináveis para um piloto que acabara de entrar na F-1. Com apenas 23 anos, fez sua estréia com um 8º lugar no G.P. da Inglaterra, pilotando um carro da Lotus, a grande equipe da época, do "mago" Colin Chapman, tendo como companheiro de equipe, Jochen Rindt, o piloto que liderava o campeonato. Em sua segunda corrida, na Alemanha, chega em 4º obtendo seus primeiros pontos. Depois de um abandono na Áustria, vai para a corrida seguinte na Itália e sofre uma acidente feio na sexta, Rindt morre no sábado, a Lotus não corre e só volta no G.P. dos EUA, quando Emerson vence a prova dando a Jochen Rindt o título póstumo, o único até hoje na história da F-1. Com a morte do austríaco, Emerson se torna o 1º piloto da Lotus e já em 1972 se torna Campeão do Mundo, iniciando então a saga brasileira na F-1. 

A vitória de Emerson no G.P. dos Estados Unidos de 1970  deu a
 Jochen Rindt o título póstumo e ao Brasil seu 1º triunfo na F-1

Se alguém lê-se o roteiro diria : é inacreditável. Não, foi real. A história é fantástica, nada mais precisava ser colocado. Contudo, algo fugiu do controle da produção do programa e uma informação adicional foi passada sem o devido registro. Curiosamente a "nova versão" do acidente, e que vem sendo ainda repetida constantemente por Galvão Bueno nas transmissões de F-1, acabou transformando uma história extraordinária num enredo, agora sim, de fato, inverossímel...


sábado, 2 de outubro de 2010

Muito Além de Maranello ( Parte V )

  A política da Ferrari não diferiu muito das demais na F-1 : 
quando você tem um piloto muito melhor que os outros, 
a prioridade vai ser sempre do melhor, sendo assim...

               A tendência de um piloto absoluto nas grandes equipes imperou  na F-1 nos anos 90 e na 1ª década do novo milênio. Ninguém mais queria perder um título de maneira estúpida ( vide Ferrari 1990 ) , os investimentos das equipes e patrocinadores não permitiam mais tamanha "proeza". E isso ficaria claro nos anos seguintes. A Williams definiu Nigel Mansell como o 1º piloto em 1992 e venceu o título, fato que seria repetido com Alain Prost em 1993. No ano seguinte, Senna era também o 1º piloto da Williams quando morreu. Schumacher foi então bi-campeão na Benetton em 1994 e 1995 e seus companheiros de equipe foram pilotos do "calibre" de JJ Lehto, Jos Vestappen e Johnny Herbert... O próprio Alonso quando foi bi pela Renault em 2005 e 2006 teve ao seu lado, Giancarlo Fisichella, um piloto bom, mas que jamais seria uma ameaça ao espanhol.

              A política adotada pela McLaren de definir quem era o seu principal piloto seria tomada também pela Ferrari na "era" Schumacher. Depois de perder os títulos de 1982 e 1990, a equipe de Maranello não queria mais dar chance ao azar. O alemão chegou na Ferrari em 1996, quando os italianos já não venciam um Mundial desde 1979. Durante 10 temporadas Schumacher foi campeão 5 vezes. tendo como companheiros de equipes 3 pilotos  : Eddie Irvine, Rubens Barrichello e Felipe Massa. O que se viu nas outras equipes também aconteceu na Ferrari : quando você tem um piloto muito melhor que os outros, a prioridade vai ser sempre do melhor, sendo assim...

  O Brasil  e o jogo de equipe
              
Tem sido muito comentado no Brasil que os pilotos brasileiros são vítimas do jogo de equipe da Ferrari. Mas será que são mesmo, ou será que isto não é uma forma de esconder uma realidade muito mais dura ?

 Prejudicado pela Lotus em 1973, Emerson Fittipaldi fez uma exigência
para ir para a McLaren em 1974 : ser o 1º piloto da equipe.
Acabou campeão.

              Em primeiro lugar dar prioridade a um piloto dentro de uma equipe já ajudou e prejudicou o Brasil na disputa de títulos Mundiais. Em 1974, 1981 e 1990 ajudou, quando respectivamente Emerson, Piquet e Senna foram campeões, porque eles eram os primeiros pilotos de suas equipes, enquanto os principais rivais sucumbiram diante do conflito  interno em sua próprias equipes. Por outro lado, o Brasil se viu prejudicado em 1973 com Emerson , em 1986 com Piquet e em 2008 ( que falaremos mais tarde ) quando aconteceu o inverso. Já os casos ocorridos na Ferrari,  com Barrichello na "era" Schumacher e com Massa este ano, nada tem a ver com os exemplos citados, pois eles foram completamente suplantados por seus companheiros de equipe.

              O caso de Barrichello é mais emblemático. Quando o nome do brasileiro foi sugerido para ser o seu companheiro de equipe em 2000, Schumacher não fez qualquer objeção por saber que  Rubens não representaria o menor risco para ele, tal sua superioridade sobre o brasileiro. E isso de fato aconteceu. Durante os seis anos em que correram juntos na Ferrari o alemão foi 5 vezes campeão mundial e o brasileiro, com o mesmo carro, foi duas vezes vice... O alemão venceu 49 corridas no período, contra 9 de Rubens. O brasileiro só raramente e em situações muito circunstanciais conseguia ser mais rápido que Schumacher, portanto nunca houve sequer rivalidade entre os dois, tamanha a superioridade do alemão. Foi o que aconteceu com Senna e Berger na McLaren, Alonso e Fisichella na Renault...

  A mágoa que Barrichello tem da Ferrari esconde uma realidade
muito mais dura : a de que ele nunca foi páreo para Schumacher,
assim como Berger não foi para Senna, Fisichella não foi para Alonso...
  
                  Alguns jornalistas brasileiros que cobrem a F-1 diziam que o azar de Barrichello foi que apareceu um gênio como Schumacher em seu caminho e só por isso ele não foi campeão. Já o próprio brasileiro falava que ele não atingiu o título porque a Ferrari não quis. Ambas teorias cairam por terra em 2009 quando ele e Jenson Button foram companheiros de equipe na Brawn. O inglês acabou campeão mundial com facilidade vencendo seis corridas. Barrichello, com o mesmo equipamento, obteve apenas duas vitórias e nem vice conseguiu ser.

                 Tudo se repetira, Barrichello mudou de equipe mas continuou perdendo, só que desta vez para um piloto que está muito longe de ser um Schumacher. Para piorar ficou claro que a equipe Ferrari não era, afinal, a responsável por suas sucessivas derrotas para o alemão. Qual será a justificativa agora ? Será que Barrichello vai alegar que a Brawn  o preteriu também ?

    A situação de Barrichello não mudou muito na Brawn em 2009 : 
    continuou perdendo. Só que o "Schumacher" da vez era 
Jenson Button. ( na foto no pódium do G.P. de Mônaco )
              
              Já Massa mesmo sendo mais piloto que Barrichello vive um momento difícil. Ao entrar na Ferrari em 2006, Massa passou a ser uma aposta da Ferrari. Os italianos não queriam continuar com Barrichello em 2007  e começaram a "namorar" Massa. Percebendo a manobra Rubens preferiu cair fora da Ferrari já em 2006 com um discurso ( falso ) de que não queria mais continuar na Ferrari. Queria, mas percebeu que a dupla de Ferrari seria futuramente Raikkonen-Massa e ele seria demitido. Então preferiu dizer que estava indo embora...
             
               Massa então entrou na equipe italiana e fez uma boa temporada de 2006 ao lado de Schumacher. Com a chegada de Raikkonen em 2007, muita gente acreditou que o brasileiro seria "engolido" pelo finlandês. Mas não foi assim. Faltando cinco provas para o final do Mundial, Massa estava na frente de Raikkonen na tabela, foi quando o finlandês reagiu e venceu três ( uma quando Massa abriu caminho no G.P. do Brasil ) das últimas quatro provas se tornando o campeão do mundo.

Em 2008, Massa foi o piloto que mais venceu GPs e o que mais teve
Kms na liderança. Mas isso não foi o suficiente para lhe dar o título.
              
            Se era favorito na Ferrari em 2007, Raikkonen com o título conquistado se tornou ainda mais favorito para 2008. Tudo ia bem até o  G.P. do Canadá quando Hamilton  bateu dentro do boxe na traseira do finlandês que liderava a prova. Na corrida seguinte, na França, era de novo líder quando teve um problema mecânico e cedeu a posição à Massa que ganhou a prova. A partir daí a temporada de Raikkonen desandou e ele não venceria mais nenhuma prova até o final do ano.

              Já Massa parecia fadado ao título : foi o piloto que mais venceu no ano ( 6 vezes ) e o que mais teve Kms na liderança ( 1.749 ) , mas mesmo assim perderia o Mundial por um mísero ponto para Lewis Hamilton. Mais uma vez ficou uma sensação que a Ferrari jogou um título fora. Dois erros da equipe foram fatais para a perda do Mundial : a quebra do motor de Massa no G.P. da Hungria a poucas voltas do final quando liderava e o desastrado reabastecimento em Cingapura, quando o brasileiro também tinha tudo para vencer, ao receber errôneamente uma ordem para sair dos boxes e carregou a mangueira de combustível junto. Desde a época de Ayrton Senna era a primeira vez que o Brasil teve chances reais de ter novamente um título na F-1 e Felipe merecia, porque foi entre os postulantes ao título, o melhor piloto de 2008, cometendo bem menos erros do que Hamilton que acabaria campeão.

   Não havia qualquer animosidade entre os pilotos da Ferrari em 2008.
Só que a equipe  demorou muito a definir
quem seria o 1º piloto. E quando definiu, era tarde.

              Para a Ferrari, no entanto, ficou uma sensação de "déjà vu", a repetição de erros do passado. A equipe foi em 2008 a campeã do Mundial de Construtores e foi também a que mais venceu obtendo 8 vitórias ( além das 6 de Massa, Raikkonen venceu 2 vezes ) contra apenas 5 da McLaren que, no entanto, concentrou suas forças em Hamilton vencendo essas 5 provas. A diferença é que dessa vez não houve nenhuma guerra entre seus pilotos já que Massa e Raikkonen  tinham uma relação cordial. A direção da Ferrari ficou simplesmente sem saber o que fazer : se apoiava o seu campeão mundial Kimi Raikkonen ou Felipe Massa que foi muito além das expectativas. O curioso é que a Ferrari perdeu   o Mundial de 2008 porque também não deu preferência a nenhum de seus pilotos, não fez nenhum jogo de equipe, jogo que ela é tão acusada...

               Em 2009, a Ferrari não seria tão competitiva e só venceria uma prova, o G.P. da Bélgica com Raikkonen, e  aconteceria o pior : uma mola lançada do carro de Barrichello atinge o capacete de Massa ferindo seu rosto nos treinos do G.P. da Hungria, deixando o brasileiro em coma por uns dias, e o tirando do resto do Mundial. Com o brasileiro ainda convalecendo a Ferrari anunciou que contratou Fernando Alonso para o lugar de Raikkonen para a temporada de 2010. O outro lugar estava garantido para Massa.

 Fernando Alonso ganhou a preferência
da Ferrari em 2010 dá melhor forma : 
sendo constantemente mais
rápido que Felipe Massa.
          2010 no entanto não tem sido fácil para o brasileiro. Ao seu lado agora está um piloto muito diferente de Kimi Raikkonen. O finlandês é excelente, mas tem um estilo "que não tá nem aí", típico até dos pilotos dos anos 70. Kimi é rapidíssimo, mas se as coisas não dão muito certo, ele não liga. Alonso não. Não só é meticuloso como coloca a equipe para trabalhar junto com ele, "molda" a equipe ao seu jeito, coisa que Prost, Senna e Schumacher também faziam. E além de tudo é simplesmente o melhor piloto da atualidade. As coisas então se complicaram para o brasileiro que não venceu nenhuma prova até agora. Já Alonso, além de ter vencido 4 GPs, vem sendo constantemente mais rápido que Massa que até agora só largou na frente do espanhol no Bahrein e na Turquia.
           
          O caso do G.P. da Alemanha, pivô de toda polêmica da validade ou não dos jogos de equipes em que Massa cedeu a vitória à Alonso, foi completamente inusitado. Se vocês repararem Felipe só assumiu a liderança por acaso  ( ver vídeo abaixo ) porque Vettel deu uma tremenda fechada em Alonso na largada. Caso contrário jamais teria tomado a ponta. Depois no desenrolar da corrida, a Ferrari decidiu que Alonso, o seu melhor piloto ( e que pelo seu talento tem mais chance de arrebatar o título no final do ano ) , por vim mais rápido que Massa ( que só estava na liderança por um fato casual ) e por ter Vettel se aproximando ( que poderia indiretamente causar um acidente entre as Ferrari, vide o que aconteceu com a Red Bull na Turquia ) teria que ser o vencedor da prova. Estão errados ?               



               Cada um analise como quiser. O que me parece lamentável é a insistência da imprensa nacional em repetir que a Ferrari prejudica os pilotos brasileiros. Será que isso não esconde na verdade uma enorme frustração pelo Brasil não vencer um título Mundial de F-1 há quase 20 anos ?  E que durante esse tempo todo, o Brasil esteve muito longe disso ( só teve uma chance real com Massa em  2008 ). O que deveria entrar em discussão é porque depois de Emerson, Piquet e Senna, o Brasil não produziu um novo campeão mundial. Será que não é porque, exatamente, não temos um Schumacher, um Alonso...
               
Jogo de equipe : proibir ou não ?

               Como se vê o jogo de equipe sempre fez parte da história da F-1. As equipes por investirem milhões de dólares na categoria tem todo o direito de tomarem as decisões que bem entenderem. O que deve ser combatido são as medidas extremas das equipes, cegas para vencer a qualquer custo, como foi o caso da McLaren com Coulthard no G.P. da Bélgica de 1998 ou o da Renault no G.P. da Cingapura em 2008. Mas acreditar que proibir o jogo de equipe vai simplesmente resolver todos os problemas é uma grande ilusão, porque existem várias formas de fazê-lo. É utopia pura. Para que não ocorra nenhum tipo de manobra só existe uma solução : cada equipe passa a ter apenas um piloto. Ótimo, se não fosse por um detalhe : será que alguém assistiria uma corrida com 12 carros ?

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Muito além de Maranello ( Parte IV )

A disputa interna entre Ronnie Peterson e Emerson Fittipaldi foi
 decisiva para a derrota da Lotus no Mundial de Pilotos de 1973.
Erro que Colin Chapman não repetiria em 1978.

             Depois da derrocada da Ferrari na temporada de 1990 seriam passados muitos anos até que uma equipe perdesse novamente a oportunidade de ser campeã devido a uma guerra interna entre os seus pilotos. Durante o período entre 1973 e 1990, em 18 mundiais isso aconteceu 6 vezes, exatos 1/3, um número bastante relevante. Mas nos 18 anos seguintes ( 1991 / 2009 ) , isso só aconteceria uma única vez. O que será que mudou ?
              Para entendermos vamos voltar precisamente para o ano que marcou a primeira "guerra" : 1973. Como já foi dito, a divisão na Lotus entre Emerson Fittipaldi e Ronnie Peterson foi fundamental para a derrota da equipe de Colin Chapman e a vitória de Jackie Stewart da Tyrrell  que tinha François Cevert como seu escudeiro. Emerson pediu para Chapman que ele deveria ser o 1º piloto da Lotus porque afinal era o campeão de 1972. Mas Chapman não concordava. Ele achava que o mais importante era a Lotus vencer, e no final do ano parecia satisfeito, afinal a Lotus tinha vencido o Mundial de Construtores de 1973. 

Peterson voltou à Lotus em 1978 com uma
condição : ser o 2º piloto de Mario Andretti.
              No entanto Chapman não demorou muito para perceber que cometera um equívoco. A importância de um título de Construtores na F-1 é irrelevante se comparada com a uma de pilotos. A petrolífera francesa Elf que patrocionava a Tyrrell vinculou a imagem da marca com o título obtido em diversas propagandas : "Jackie Stewart, campeão mundial de 1973 pilotando uma Elf Tyrrell Ford". Já os cigarros John Player Special da Lotus limitava-se a dizer que era campeã mundial de construtores de F-1, um título menor, de pouca vinculação e de pouco compreenção para quem não entendia de F-1. Chapman percebeu que o título de construtores nada mais era do que um prêmio de consolação para quem não ganhou o título que realmente interessava : o de pilotos. Um erro que Chapman não iria cometer novamente.
   
          Para piorar a Lotus entrou numa crise que durou alguns anos. Emerson já tinha deixado a equipe no final de 1973 e Peterson simplesmente abandonou a Lotus no início de 1976, em plena temporada, por acreditar que os carros jamais voltariam  a ser competitivos. Erro que se arrependeria. No ano seguinte, Chapman criou o carro de efeito-solo, uma revolução na F-1, e a Lotus aparecia como favorita para o Mundial de 1978.  Seu piloto principal era o ítalo-americano Mario Andretti que estava na equipe desde 1976. Uma vaga estava aberta já que o outro piloto, Gunnar Nilsson, descobrira que tinha câncer e teria que abandonar as pistas para se tratar ( Ele morreria em outubro de 1978 ) . Peterson se candidatou, mas Chapman impôs uma condição : ele teria que ser o 2º piloto de Mario Andretti. Sem opções, Peterson aceitou.
Peterson se quisesse poderia ter lutado pelo título de
1978, pois era tão ou mais rápido que Andretti.
Mas não o fez.
               A Lotus venceria em 1978 tanto o Mundial de Contrutores como o de Pilotos, com Andretti sendo campeão e Peterson vice, fato que não acontecia numa equipe de F-1 desde a Brabham em 1967. A Lotus estabeleceria um recorde de vitórias na F-1 : oito, sendo seis de Andretti, duas de Peterson e um total de quatro dobradinhas sempre com o americano na frente.  Um domínio absoluto. No entanto ficou claro que o sueco obedecia as ordens de Chapman e que, se quisesse, poderia ser tão ou mais rápido que Andretti. Questionado por muitos porque aceitava o jogo de equipe, Peterson dizia que assinou  para ser o 2º piloto e cumpriria a promessa, pois quebrar o contrato significaria uma traição à Chapman que afinal acreditou nele quando muitos chefes de equipe o consideravam acabado para a F-1.

            O retorno à Lotus em 1978 foi uma redenção para Peterson que sentiu-se revitalizado. O sueco voltou a ser valorizado e achava que ainda poderia ser campeão. Mas não na Lotus. Como não queria ser  novamente "o segundo de Andretti", assinou com a McLaren para ser o 1º piloto da equipe em 1979, ano que não viveria. Na largada do G.P. da Itália de 1978, um terrível acidente envolveu 10 carros. Peterson foi retirado do Lotus com as pernas destruídas, morrendo de embolia no dia seguinte.

           A tragédia de Peterson acabou criando um  clima de comoção na F-1 e os jogos de equipes passaram a ser mais questionados. Coincidência ou não foi o período que vários pilotos se insurgiram contra determinações das equipes como foi o caso de Reutemann na Williams em 1981, Pironi na Ferrari em 1982 e Arnoux na Renault também em 1982. Somados a eles, a divisão na Williams em 1986 e a "revolta" de Mansell na Ferrari em 1990, marcaram um curto período de 10 anos em que 5 títulos foram perdidos por rivalidade dentro das equipes. E das grande apenas uma não perdeu dessa forma nesse período : a McLaren. Ron Dennis sempre gostou de dizer que sua equipe era a mais organizada da F-1 e a que nunca fazia jogo de equipe. Organizada pode ser, mas quanto ao jogo de equipe...

Reutemann não aceitou ser o escudeiro de
Jones na Williams em 1981. Queria ser o campeão.
No final, nenhum deles ficaria com o título.

            Dennis, de certa forma, seguiu a idéia de Luca di Montezemolo em 1975 : "o melhor piloto da equipe tem que vencer". Luca fez isso quando definiu Niki Lauda, e não Clay Regazzoni, como o piloto da Ferrari que deveria ser o campeão daquele ano.  Dennis partiu da mesma premissa : foi assim com Alain Prost em 1986 em relação à Keke Rosberg,  Ayrton Senna em 1990 e 1991 em relação à Gerhard Berger, Mika Hakkinen em 1998 e 1999 em relação à David Coulthard  e Lewis Hamilton em 2008 em relação à Heikki Kovalainen . Em todos esses casos havia uma disparidade proposital muito grande entre os pilotos para evitar o que Ron Dennis mais temia : o conflito. Além disso a hierarquia na equipe deveria ser obedecida e os pilotos escolhidos para servirem de "escudos" deveriam acatar as ordens, sem contestação. Não foi por acaso que pilotos como Berger e Coulthard , dois "bon vivants" foram contratados.

  "Bon Vivant" e querido por todos na F-1, David Coulthard acabava
    virando uma marionete nas mãos de Ron Dennis. O episódio do
G.P. da Bélgica de 1998 seria um exemplo disso.
                
                 O escocês inclusive seria protagonista de um dos acidentes mais absurdos envolvendo segundos pilotos. Em 1998, Schumacher da Ferrari e Hakkinen da McLaren, disputavam o título ponto a ponto. No G.P. da Bélgica disputado debaixo de um dilúvio, o alemão ia dar uma volta de vantagem sobre Coulthard. O escocês não abria caminho. Jean Todt, chefe de equipe da Ferrari, foi reclamar com Ron Dennis. Coulthard resolveu "abrir caminho" simplesmente tirando o pé do acelerador na frente de Schumacher que sem enxergar nada, devido a nuvem de spray levantada pelo McLaren, bateu na traseira do escocês ( ver vídeo abaixo ) . Uma atitude irresponsável, já que todos sabem no automobilismo que numa corrida com chuva nunca se deve tirar o pé do acelerador numa reta, principalmente sabendo que tem alguém atrás. Schumacher invadiu os boxes e quase agrediu Coulthard perguntando : "você quis me matar ? ". Os ingleses ficaram do lado de Coulthard, culpando Schumacher. O escocês jurava inocência. Mas anos depois quando saiu da McLaren admitiu que, de fato, errou...


               O fato de Coulthard ter admitido o erro não significa porém que o acidente foi intencional. Isso ninguém saberá. O que não foi o caso de Nelsinho Piquet no G.P. de Cingapura em 2008. Ao reconhecer que jogou seu próprio carro no muro devido a um pedido do chefe de equipe da Renault, Flavio Briatore, e do engenheiro-chefe, Pat Symonds, para facilitar a vitória de seu companheiro de equipe, Fernando Alonso,  a F-1 viveu um de seus momentos mais negros. Mostrou até que ponto uma equipe poderia usar um segundo piloto para atingir um objetivo. No entanto, uma dúvida paira no ar ainda : quantos casos mais ou menos parecidos aconteceram e ninguém ficou sabendo ?

              Voltando ao "modus operandi" da McLaren, Dennis evitava ao máximo criar um clima de animosidade entre seus pilotos determinando claramente quem era o seu piloto principal. Mas nem sempre isso era possível. Por quatro vezes a equipe teve dois grandes pilotos que se equiparavam. Menos mal que em três desses casos a superioridade da McLaren era tão grande que acabou não atrapalhando a disputa do título : em 1984, com Niki Lauda e Alain Prost ; e em 1988 e 1989 com o mesmo Prost e Ayrton Senna. Mas o mesmo não aconteceria em 2007.


  A guerra interna  entre Alonso e  Hamilton
foi o principal responsável pela derrota da equipe inglesa
em 2007. O ambiente era insuportável.  

              2007 ficou marcado como o único ano da história que a McLaren perdeu o título por uma disputa interna entre seus pilotos. Aconteceu o que Dennis receiava e sempre evitou : a equipe ter dois grandes pilotos mas não ter um carro superior a concorrência. A equipe contratou o bi-campeão Fernando Alonso para ser o seu principal piloto e ao lado dele, Lewis Hamilton, estreante na F-1, que era o piloto de testes da equipe. Ninguém poderia imaginar que o inglês seria páreo para o espanhol, mas foi. Além disso a mídia inglesa estimulou Hamilton a se voltar contra Alonso. Estava armada a guerra. Dennis perdeu o controle sobre a equipe e viu na última prova do ano Kimi Raikkonen da Ferrari ser campeão em cima da dupla da McLaren. Como o ambiente se tornou insuportável, Alonso deixou a equipe e voltou à Renault. No lugar dele a McLaren contratou o fraco Kovalainen para ser o 2º piloto de Hamilton no ano seguinte. Tudo voltara ao normal. Sem conflitos internos o inglês seria o campeão em 2008.

                Na próxima coluna a quinta e última parte de "Muito além de Maranello"

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Muito além de Maranello ( parte III )

A rivalidade entre Piquet e Mansell não só fez a Williams
perder o mundial de pilotos de 1986
como o próprio motor Honda para a McLaren em 1988

             Na temporada de 1986 a equipe Williams foi a campeã mundial de construtores com 141 pontos contra 96 da McLaren e venceu 9 corridas no ano contra apenas 4 da também McLaren. Mesmo assim conseguiu perder o título mais importante, o de pilotos. Como isso pode acontecer ?

             Tudo começou quando em meados de 1985 a Williams anunciou que havia contratado Nelson Piquet para ser o primeiro piloto da equipe no ano seguinte. Então bi-campeão do mundo, o brasileiro era o melhor acertador de carro da F-1 e cairia como uma luva numa equipe que precisava dar um salto de qualidade depois de passar alguns anos desenvolvendo os motores Honda. Nigel Mansell seria seu companheiro de equipe, um piloto rápido, mas que com mais de 70 GPs disputados acabara de conquistar, no final de 1985, sua primeira  vitória na F-1 . O inglês não parecia então ser uma ameaça ao brasileiro.

             A situação começou a se complicar quando um grave acidente na estrada deixou o dono da equipe, Frank Williams, paralítico no ínicio de 1986. Frank ficaria vários meses hospitalizado e só voltaria a frequentar as corridas em julho. Piquet perderia nesse tempo o seu principal aliado, o homem que fora o principal responsável por sua contratação. Influenciado pela mídia britânica, a Williams começou a dar preferência à Mansell que venceu quatro corridas até o meio do ano contra apenas uma de Piquet. O brasileiro resolveu reagir a partir do G.P. da Alemanha quando declarou abertamente que não passaria mais informações para a equipe que trabalhava para o inglês. "Eles copiam o acerto que faço no meu carro para o carro do Mansell. E nunca tem retorno".  Deu certo. Nas quatro corridas seguintes, Piquet venceu três. Quando a F-1 chegou para a última corrida do ano na Austrália, Mansell, Piquet e Alain Prost, da McLaren, disputavam o título. Com a equipe dividida, a Williams fez uma corrida desastrosa do que se favoreceu Prost para ganhar a prova e o Mundial.

Com a acidente de carro de Frank Williams, Piquet perderia em
boa parte de 1986 seu principal aliado. Quando Frank voltou
as pistas em julho, o conflito na equipe já estava instalado.
                          
              Bombardeada por uma chuva de críticas ao perder um título de pilotos por total falta de comando, Frank Williams se defendeu declarando que não se fazia mais ( referindo-se ao episódio Jones-Reutemann em 1981 ) jogo de equipe dentro da Williams. Parte da mídia inglesa abraçou essa causa, mas os japoneses da Honda não. A perda do Mundial com um carro e um motor superior aos demais foi considerada inadmissível. Surgiu nesse instante a figura de Ron Dennis e a derrota de 1986 ainda custaria muito caro para a Williams.

               Ron Dennis, chefe de equipe e acionista da McLaren tinha um objetivo : tirar o motor Honda da Williams. Mesmo sendo tricampeã de pilotos entre 1984 e 1986, Dennis percebia que a McLaren com seus motores TAG Porsche perdia terreno e  já não era páreo para os Honda que equipavam à Williams. Quando a Williams perdeu o mundial de 1986, Ron Dennis viu surgir a oportunidade que esperava. Foi em busca dos japoneses com um pensamento claro : "A McLaren é a melhor opção para a Honda. Aqui não é a Williams.  Perder um título como eles perderam em 1986 jamais acontecerá na McLaren". A Williams Honda se redimiria em 1987 e venceria tanto o mundial de pilotos, com Nélson Piquet, como o de construtores. Mas isso não bastou : a Honda iria trocar a Williams pela McLaren em 1988...

    Ron Dennis para os japoneses da Honda :
   Fiquem conosco. A McLaren não é a Williams...

              As consequências de 1986 foram devastadoras para a Williams. A equipe havia feito todo o desenvolvimento dos motores Honda desde 1983. Quando esse motor atingiu o ápice a equipe não desfrutou totalmente dessa glória e entregou para a McLaren que iria colher os louros. No final das contas a Williams venceria com a Honda apenas em 1987, enquanto a McLaren teria uma hegemonia de quatro anos ( 1988 - 1991 ) com os japoneses.

               O curioso é que a McLaren constantemente coloca em cheque a postura ética da Ferrari. Mas Ron Dennis não pensou duas vezes em "passar para trás" à Williams nesse caso, mesmo sabendo que foi ela que desenvolveu o motor Honda durante cinco anos e que um acordo da McLaren com os japoneses significaria também que a Williams ficaria sem motores para 1988. Será que os ingleses, antes de falar da Ferrari, acham que isso é um exemplo de conduta ?

              A guerra que aconteceu entre os pilotos na Williams em 1986, também aconteceria na McLaren em 1989 com Alain Prost e Ayrton Senna, só que com uma diferença fundamental. O domínio que a equipe de Dennis teria em 1988 e 1989 era tão avassalador que nem mesmo o conflito entre seus pilotos foi capaz de ameaçar o título da McLaren. O brasileiro venceu em 88 e o francês em 89, saindo logo depois para defender a Ferrari em 1990. No lugar de Prost na McLaren entrou o austríaco Gerhard Berger que passaria a ser, de certa forma, o que François Cevert foi para a Tyrrell no início dos anos 70.


 A McLaren contratou Berger para ser o 2º piloto de Senna.
 O austríaco utilizou algumas manobras pra lá de discutíveis.
Será que a McLaren esqueceu disso ?

                Berger foi contratado para ser o 2º piloto de Senna. Este nunca teve dúvidas de que o austríaco jamais seria uma ameaça para ele, simplesmente pelo fato de ter consciência que era muito superior à Berger, que sabia disso, assim como Cevert sabia em relação à Stewart. O objetivo de ambos era facilitar o caminho rumo ao título da estrela maior da cia. . As semelhanças terminavam no entanto aí. Cevert teria sido o substituto de Stewart se não tivesse morrido antes, já Berger jamais foi colocado como tal. Outra diferença : Berger estava disposto a qualquer coisa para ajudar Senna a conquistar títulos, até usar manobras ilícitas.  Coisa que Cevert nunca fez. A temporada de 1990 seria um exemplo disso.

                 1990 seria também o último ano do século que uma equipe dividida permitiria que outra levasse vantagem e vencesse o título. A situação da McLaren era clara mas a da Ferrari...

                  A equipe italiana além do recém contratado Prost contava com Nigel Mansell que estava lá desde o ano anterior. Sem ter o apoio que tinha na Williams contra Piquet, o inglês era superado constantemente pelo francês. No meio do ano, já sem chance de ser campeão, tomou uma decisão "posso não ser campeão, mas Prost também não será...". Sua atitude revelaria uma profunda mágoa por entender que Prost jogava a equipe contra ele. No G.P. de Portugal, Mansell chegou a um ponto de literalmente jogar o carro em cima de Prost na largada ( ver vídeo abaixo ) numa manobra inacreditável. E pior, no pódium, levantou o braço de Senna como se fossem amigos ( nunca foram ) e também como uma forma de saudar quem ele achava que, de fato, merecesse o título, ignorando totalmente Prost que, ao seu lado, atônito, não entendeu nada...



  
               Se a Ferrari vivia o caos, na McLaren tudo girava em torno de Senna. Berger apenas obedecia. O negócio era fazer o brasileiro ser campeão, não importava como. O melhor exemplo aconteceu na largada do G.P. da Bélgica, quando a única preocupação do austríaco foi o de jogar o carro em cima de Prost para que Senna não perdesse a liderança. Foram duas vezes ( ver vídeo abaixo ), já que a 1ª largada foi anulada, uma em cada largada, sendo a segunda escandalosa.  Berger não receberia nenhuma punição numa época em que a FIA começou a perder o controle sobre a atitude de determinados pilotos. O final do campeonato todos sabem : Senna para se vingar do acidente do ano anterior, quando perdeu o título para Prost, bateu de propósito no francês na largada do G.P. do Japão e foi o campeão. De qualquer forma, a Ferrari mais uma vez perdeu um título por não saber conter o ímpeto do seus pilotos e desta vez pelo puro prazer de Mansell, que não tinha mais chance de ser campeão,  ver Prost, que disputava o título, ser também derrotado.




                Na próxima coluna  a quarta parte de "Muito além de Maranello".