terça-feira, 5 de abril de 2011

Segurança nas pistas : o preço a ser pago ( Parte I )

Nürburgring 1976 : Harald Ertl, Brett Lunger e Guy Edwards 
tentam tirar  Niki Lauda de sua Ferrari em chamas.
O austríaco seria salvo, mas o antigo circuito alemão
de 22 kms seria banido para sempre da F-1.

Sempre que acontece um acidente fatal no automobilismo existe uma comoção generalizada, como no caso de Gustavo Sondermann no último domingo. Mas antigamente não era bem assim. Na Fórmula 1, até o início dos anos 80, a morte fazia parte do negócio e de certa forma era aceita porque o automobilismo, afinal, era  um esporte de alto risco. Quem acompanhava as corridas de F-1 naquela época sabia que pilotos como Ronnie Peterson e Gilles Villeneuve pareciam destinados a tragédia. A pilotagem de ambos era tão destemida e arrojada e os acidentes que sofriam tão espetaculares, que era difícil acreditar que eles conseguiriam sobreviver muito tempo na F-1. Não sobreviveram, de fato. Peterson morreria depois de um acidente que envolveu 10 carros na largada do G.P. da Itália de 1978 e Villeneuve morreu quando foi atirado para fora do carro depois que seu carro decolou ao bater em Jochen Mass, nos treinos para o G.P. da Bélgica de 1982.

Zolder 1982 : o que sobrou da Ferrari de Gilles Villeneuve
depois de seu acidente fatal. A morte do canadense na F-1
era mais do que esperada, restava saber quando e onde...

Mas os tempos mudaram, de 1982 para cá, só três pilotos morreram na Fórmula 1 : Elio de Angelis em 1986 e Roland Ratzenberger e Ayrton Senna em 1994. Três pilotos em 28 temporadas de F-1. Para se ter uma idéia nos 28 anos anteriores à 1982, ou seja de 1955 até 1982, morreram 28 pilotos só na F-1. Um piloto por temporada. De fato, os tempos eram outros...

A morte começou então a não ser mais aceita. Uma das primeiras atitudes tomadas foi acabar com os carros de efeito-solo em 1983 e depois se seguiram várias outras como a utilização do chassi de Kevlar, que veio da aviação, muito mais seguro do que os monocoques que eram extremamente frágeis. Se essas mudanças foram bem vindas, uma gerou polêmica, que foi a alteração dos traçados dos circuitos. As curvas velozes e perigosas passaram a ser questionadas e para melhorar a segurança um preço deveria ser pago : o fim dos grandes circuitos. E aconteceu. Muitos deles foram desaparecendo, um por um...


Niki Lauda a bordo de sua Ferrari pouco antes do acidente que
quase o matou. A história da F-1 começaria a mudar depois
desse dia e os grandes circuitos foram
desaparecendo, um por um...

Em 1976, Niki Lauda escapou por pouco de morrer carbonizado durante o G.P. da Alemanha, em Nürburgring, quando sua Ferrari explodiu depois de bater no guard-rail na curva Bergwerk. Lauda foi retirado do carro por outros pilotos, porque os fiscais de pista demoraram muito a chegar. Muito queimado, o então campeão mundial, levaria para sempre as cicatrizes daqueles 5 minutos nas chamas. Mesmo sendo considerado por críticos e pilotos como o melhor circuito de todos os tempos, com seus inacreditáveis 22 kms, Nürburgring foi condenado e o traçado clássico jamais voltaria a fazer parte do calendário da F-1. Foi a primeira vez que a repercursão de um acidente liquidou um circuito tradicional e ficou claro que já não era mais possível na "moderna F-1" existir um traçado de tamanha dimensão. Em 1984, Nürburgring voltou com um novo desenho e com apenas 4 kms. Do traçado antigo só se aproveitou a reta, mas a magia apagou-se.



Para melhorar a segurança os circuitos passaram a ser modificados. Talvez exatamente o primeiro que tenha sido alterado, Spa Francorchamps, foi o único que mudou para melhor. A pista belga, na verdade, utilizava trechos de estradas que ligavam as cidades de Malmedy, Stavelot e Spa. Os pilotos corriam entre casas, penhascos, uma loucura total. Jackie Stewart, tricampeão da F-1, tinha uma frase célebre : "O piloto que diz que dá 100% em Spa mente. Isso é impossível." Para se ter uma idéia nada melhor que ver uma cena do filme "Grand Prix" de 1966 ( ver video acima ), que mostra exatamente o que Stewart quis dizer.

Spa se tornou uma pista impraticável para a F-1 e a última corrida no antigo circuito de 14 Kms aconteceu em 1970. A pista flamenga seria então modificada e voltaria ao calendário da F-1 em 1983, renovada, muito mais curta ( quase 7 kms ) e muito mais interessante que a anterior. Mas se Spa mudou para melhor, o mesmo não aconteceu com as demais e os acidentes ( como o de Lauda ) passaram a ser determinantes para que as pistas fossem modificadas.

Jackie Stewart : "O piloto que afirma que dá 100%
em Spa mente. Isso é impossível"

Em primeiro lugar : todos os acidentes fatais na F-1 a partir de 1980 tiveram consequências para os circuitos em que ocorreram, sem nenhuma exceção. Patrick Depailler morreu na Ostkurve, a curva mais rápida de Hockenheim, em 1980, e no ano  seguinte uma chincana foi feita no local. Villeneuve morreu em Zolder, em 1982, e a corrida saiu do calendário da F-1 dando lugar ao novo Spa. Riccardo Paletti morreu na largada do G.P. do Canadá, também em 1982, e um tempo depois a posição de largada seria modificada para o outro lado do circuito. Elio de Angelis morreu em um trecho ultra veloz da pista de Paul  Ricard, em 1986, e o circuito foi completamente "mutilado". A pista que era espetacular e tinha a maior reta da F-1, foi praticamente cortada ao meio. Por fim, as curvas em que morreram Ratzenberger e Senna , em Imola em 1994, morreram juntos com eles e foram substituídas por chincanas.


A maravilhosa reta do Mistral em Paul Ricard, França. A morte de
Elio de Angelis em 1986 desfigurou o circuito  para as
corridas de F-1. Mas outras categorias não acataram...

A morte foi a justificativa para que todas essas mudanças ocorressem, mas alguns dirigentes da F-1 pretendiam com isso esconder uma realidade muito mais dura. Quando De Angelis morreu, culpou-se o circuito e a solução mais simples foi modificá-lo. Pouco se falou do péssimo atendimento do socorro que deixou o italiano agonizando preso debaixo do carro, enquanto que o mesmo pegava fogo. Dá mesma forma não se deu muita importância ao fato que atrás do guard-rail em que Depailler bateu, haviam cercas de proteção amarradas que deveriam estar à frente do guard-rail. E que as mortes de Villeneuve, Paletti e Ratzenberger se deram principalmente as falhas das estruturas dos carros que  ( é bom dizer ) tinham o aval da FIA Era mais fácil mesmo culpar os circuitos...


Ayrton Senna pediu uma área de escape na curva
Tamburello. O diretor da prova disse que isso
seria impossível : atrás da curva passava
um rio e não havia como desviá-lo.

Imola 1994 foi um caso à parte. Se outras pistas já tinham sido condenadas por muito menos, o que dizer da pista italiana ? Naquele fim de semana de GP, Ratzenberger e Senna seriam mortos, Barrichello ferido, assim como um mecânico e uma dezena de espectadores na arquibancada em diversos acidentes distintos. Morto Senna, a Tamburello foi amaldiçoada e virou sinônimo de curva assassina. Afinal, lá já tinham acontecido acidentes graves ( ver vídeo abaixo ) como o de Piquet em 1987 e o de Berger em 1989.

Meses antes de morrer, Senna, junto com Berger, andaram no circuito de Imola e sugeriram ao diretor da prova que fizesse uma área de escape na Tamburello. O diretor mostrou que isso não poderia ser feito, porque atrás da curva havia um rio e seria impossível desviá-lo. Depois, com a morte de Senna, a ordem geral foi culpar a curva, mas embora a área de escape fosse de fato insuficiente, o brasileiro só morreu devido a uma incrível fatalidade : ao bater no muro, um braço da suspensão da Williams se voltou contra o seu capacete e furou sua viseira, atingindo seu rosto. Um lance de puro azar. 



De qualquer modo a comoção pela morte de Senna no mundo condenou a Tamburello e isso foi de certa forma inevitável. A curva virou uma chincana e o nome Tamburello imediatamente deixou de ser usado. O mesmo aconteceu com a curva em que morreu Ratzenberger e no "esse" em que Barrichello bateu. Toda deformada, Imola que tinha um traçado espetacular, passou a ser a partir daí um circuito como outro qualquer e hoje nem mais faz parte do calendário da F-1.

Continua - Segurança nas pistas : o preço a ser pago ( Parte II )

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