quinta-feira, 7 de abril de 2011

Segurança nas pistas : o preço a ser pago ( Parte II )

Largada do G.P. do Brasil de 1980, última corrida na pista antiga de
Interlagos. Gilles Villeneuve mergulha na curva 2 seguido pelas Ligier.
Todo esse trecho fantástico da pista foi destruída na reforma
de 1990, será que agora acabarão com o resto ?

Condenar um circuito ou uma curva por causa de um acidente fatal é uma tarefa comum, mas o que se viu na F-1 nas últimas  décadas foi uma tentativa de praticamente eliminar qualquer risco, o que passou a ser chamado pela FIA de "risco zero". Qualquer acidente passou a ser motivo para se tirar um circuito do calendário da F-1. Brands Hatch foi afastado depois de um acidente que envolveu vários carros na largada do G.P. da Inglaterra de 1986, o mesmo acontecendo com Zeltweg, na Áustria, em 1987. Ambas as pistas eram espetaculares e seus traçados são considerados até hoje, como dos melhores de todos os tempos. Zeltweg, aliás, voltaria ao calendário, com um traçado totalmente desfigurado e com novo nome  : A1 ( nome tão original, como o novo traçado...).


O circuito de Hockenheim antes da reforma de 2001.
 Suas retas cortando a floresta o colocavam entre
os traçados mais impressionantes já vistos na F-1.

Outros circuitos foram afastados por serem considerados perigosos e ultrapassados como foram o caso de Watkins Glen, Zandvoort e Hockenheim. O primeiro é considerado até hoje como a maior pista americana de todos os tempos e que acabou depois substituida por pistas do "calibre" de Las Vegas, Detroit e Dallas... Já a pista holandesa de Zandvoort está simplesmente entre os 3 ou 4 maiores traçados já desenhados enquanto que Hockenheim foi vítima da maior "mutilação" da história da F-1 quando eliminaram as retas da floresta, que era simplesmente a maior marca do circuito. A pista alemã depois voltou a Fórmula 1, mas teria sido  melhor se tivesse mudado de nome... 


Considerada a Nürburgring francesa, Clermont-Ferrand
foi palco do G.P. da França 4 vezes e, assim como a
pista alemã, foi condenada por falta de segurança.
Jochen Rindt ( foto )  venceu em 1970.

Entre as sobreviventes estão Spa, que já falamos, e Monza. A pista italiana era sensacional até que colocaram as chincanas em 1972 para diminuir a velocidade. No entanto ainda sobraram as curvas Lesmo 1 , Lesmo 2 e a Parabólica. As duas primeiras foram modificadas com a reforma de 94, após a "comoção pós Senna" e a Parabólica resiste ao lado da Eau Rouge, em Spa, como "as últimas 2 grandes curvas de uma F-1 do passado". Um passado que já tinha perdido também Clermont Ferrand, na França, que era uma versão menor de Nürburgring, 8 kms, com subidas e descidas de tirar o fôlego.

O Preço a ser pago

Em nome da segurança, grandes pistas desapareceram ou foram modificadas para sempre : Rouen, Clermont Ferrand, Montjuich, Silverstone,  Nürburgring, Watkins Glen, Buenos Aires, Dijon Prenois, Paul Ricard, Zandvoort, Kyalami, Brands Hatch, Zeltweg, Monza, Imola, Hockenheim.  O curioso é que numa época em que se reclama tanto de falta de ultrapassagem, de emoção, será que o que não está faltando não são pistas de traçados espetaculares ? Que tenham retas grandes os suficientes para que as ultrapassagems sejam feitas ? Pistas que como se dizia no passado separam os homens dos meninos ? Curvas desafiadoras que diferenciam  o gênio do piloto comum ? O "risco zero" pedido pela FIA extrapolou o limite do razoável há muito tempo, foi exagerado. Tiraram a morte da pista, ótimo, mas o custo disso, o preço a ser pago, foi que grande parte da emoção foi perdida também. 



Interlagos está também correndo esse risco. A morte recente de Gustavo Sondermann levanta muitas questões abordadas aqui e o traçado do circuito pode estar sob nova ameaça. "Nova" porque em 1990, a pista foi reformada  para receber novamente a F-1 depois de 10 anos, sendo reduzida a quase a metade. A pista antiga  está certamente entre as maiores de todos os tempos. ( ver acima a 1ª volta do G.P. do Brasil de 1980, o último antes da reforma ). Niki Lauda, tricampeão da F-1, já afirmou que as descidas das curvas 1 e 2 de Interlagos estavam entre as curvas mais espetaculares que ele já viu . Isso não tem mais como voltar atrás, mas a nova pista, mesmo mutilada, é considerada ainda pelo austríaco como das  melhores do calendário da F-1. Posto que pode perder em um futuro bem próximo...


Niki Lauda no G.P. do Brasil de 1976, prova que venceria.
Para o austríaco, Interlagos, apesar da reforma de 1990
 está ainda entre as melhores pistas da atualidade.

A ameaça que paira sobre Interlagos é o que vai acontecer até o G.P. do Brasil, em novembro. A repercursão sobre a morte de Sondermann pode sobrar para o traçado da pista e a manutenção da Curva do Café já é colocada em cheque. Como sempre, a pista é considerada a principal culpada, mas isso mais uma vez, esconde outras realidades. Em primeiro lugar, o completo desinteresse da CBA pelas categorias nacionais. Para a confederação o que importa é o G.P. do Brasil de F-1, o resto é secundário. A CBA procurou tirar "o corpo fora" dizendo que para mexer no circuito precisa da homologação da FIA e que pediu modificações na Curva do Café que não foram atendidas.

É preciso saber em que grau essa modificação foi pedida, porque se a CBA tivesse tratado o caso como de extrema urgência, a FIA certamente teria acatado, mesmo porque a política do "risco zero" continua em pauta na entidade. A CBA, então, não deu ao caso a prioridade necessária. Mas agora, com a comoção pela morte de Sondermann, algo com certeza vai acontecer, não será mais possível fugir disso. Existem então três soluções para a Curva do Café.


Uma das soluções para Interlagos é construir uma chincana no
início da subida dos boxes, o que faria os carros perderem
 velocidade antes de chegar na Curva do Café. Mas isso
descaracterizaria totalmente o traçado.

A primeira seria a colocação de uma área de escape o que obrigaria a destruição de boa parte da arquibancada que fica naquele local. O bom disso é que o traçado seria preservado, mas por outro lado, a bilheteria iria perder boa parte do seu público em um autódromo que já possui deficiência nesse setor. A segunda opção seria a construção de uma chincana antes da Curva do Café, o que diminuiria a velocidade dos carros quando eles chegassem nessa "fatídica" curva. Essa chincana só seria utilizada em algumas categorias, como na Stock Car, mas não na F-1. E a terceira e última, que é a pior de todas, é que essa chincana seja definitiva, o que significaria mais uma mutilação do circuito.

A ameaça sobre Interlagos é essa última, porque talvez essa seja para a CBA e para a FIA a solução mais simples. A FIA manterá, afinal, sua política de "risco zero" e a CBA conseguirá minimizar o seu maior pesadelo : que um acidente fatal na F-1 risque Interlagos para sempre do calendário da categoria. O problema da segunda opção é que ela pode servir de um trampolim para a última. Ou seja, a chincana que deveria ser usada conforme o caso, seja utilizada sempre na última hora, inclusive na F-1, com a mesma desculpa : o perigo. A primeira é a melhor solução, mas vai ser a mais custosa para a CBA, não só em obras como na futura diminuição da arrecadação do dinheiro dos ingressos.


Gustavo Sondermann foi a terceira vítima fatal na Stock Car em
um intervalo de 7 anos. O Nascar, seu similar americano,
mesmo sendo muito mais veloz, não mata ninguém há 10 anos...

A política da CBA é tentar demonizar a "Curva do Café", mas existem outras variantes em que a entidade, tem total responsabilidade, e que também tiveram participação na morte de Sondermann. O primeiro fator seria o frágil material de chassis tubulares que é revertido os carros de Stock Car, o que também foi responsável pela terceira morte na categoria em 7 anos. Um número absurdo se levarmos em conta que a similar americana, a Nascar, não morre ninguém há 10 anos, sendo que lá se corre praticamente todo final de semana e a categoria é muito mais veloz. Para piorar a visibilidade dentro dos carros da Stock é considerada pelos próprios pilotos como péssima. Imagina então em uma corrida com chuva ? A CBA  também não faz nenhum tipo de controle sobre os seus pilotos, hoje corre no automobilismo brasileiro praticamente quem quer,  o que permite que pilotos sem nenhuma experiência corram em categorias que chegam em velocidades altíssimas.


Comparada com as pistas atuais da F-1, Interlagos
está ainda entre as melhores do mundo,
mas será que conseguirá manter este posto ?

Interlagos, mesmo modificado, é hoje ainda um dos grandes circuitos do Mundo. Que a morte de Sondermann sirva de lição para melhorar a segurança da pista, mas que isso não signifique mutilá-la definitivamente. O preço a ser pago pela segurança máxima pode vir a matar também mais um dos últimos grandes circuitos.

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