sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Muito além de Maranello ( Parte IV )

A disputa interna entre Ronnie Peterson e Emerson Fittipaldi foi
 decisiva para a derrota da Lotus no Mundial de Pilotos de 1973.
Erro que Colin Chapman não repetiria em 1978.

             Depois da derrocada da Ferrari na temporada de 1990 seriam passados muitos anos até que uma equipe perdesse novamente a oportunidade de ser campeã devido a uma guerra interna entre os seus pilotos. Durante o período entre 1973 e 1990, em 18 mundiais isso aconteceu 6 vezes, exatos 1/3, um número bastante relevante. Mas nos 18 anos seguintes ( 1991 / 2009 ) , isso só aconteceria uma única vez. O que será que mudou ?
              Para entendermos vamos voltar precisamente para o ano que marcou a primeira "guerra" : 1973. Como já foi dito, a divisão na Lotus entre Emerson Fittipaldi e Ronnie Peterson foi fundamental para a derrota da equipe de Colin Chapman e a vitória de Jackie Stewart da Tyrrell  que tinha François Cevert como seu escudeiro. Emerson pediu para Chapman que ele deveria ser o 1º piloto da Lotus porque afinal era o campeão de 1972. Mas Chapman não concordava. Ele achava que o mais importante era a Lotus vencer, e no final do ano parecia satisfeito, afinal a Lotus tinha vencido o Mundial de Construtores de 1973. 

Peterson voltou à Lotus em 1978 com uma
condição : ser o 2º piloto de Mario Andretti.
              No entanto Chapman não demorou muito para perceber que cometera um equívoco. A importância de um título de Construtores na F-1 é irrelevante se comparada com a uma de pilotos. A petrolífera francesa Elf que patrocionava a Tyrrell vinculou a imagem da marca com o título obtido em diversas propagandas : "Jackie Stewart, campeão mundial de 1973 pilotando uma Elf Tyrrell Ford". Já os cigarros John Player Special da Lotus limitava-se a dizer que era campeã mundial de construtores de F-1, um título menor, de pouca vinculação e de pouco compreenção para quem não entendia de F-1. Chapman percebeu que o título de construtores nada mais era do que um prêmio de consolação para quem não ganhou o título que realmente interessava : o de pilotos. Um erro que Chapman não iria cometer novamente.
   
          Para piorar a Lotus entrou numa crise que durou alguns anos. Emerson já tinha deixado a equipe no final de 1973 e Peterson simplesmente abandonou a Lotus no início de 1976, em plena temporada, por acreditar que os carros jamais voltariam  a ser competitivos. Erro que se arrependeria. No ano seguinte, Chapman criou o carro de efeito-solo, uma revolução na F-1, e a Lotus aparecia como favorita para o Mundial de 1978.  Seu piloto principal era o ítalo-americano Mario Andretti que estava na equipe desde 1976. Uma vaga estava aberta já que o outro piloto, Gunnar Nilsson, descobrira que tinha câncer e teria que abandonar as pistas para se tratar ( Ele morreria em outubro de 1978 ) . Peterson se candidatou, mas Chapman impôs uma condição : ele teria que ser o 2º piloto de Mario Andretti. Sem opções, Peterson aceitou.
Peterson se quisesse poderia ter lutado pelo título de
1978, pois era tão ou mais rápido que Andretti.
Mas não o fez.
               A Lotus venceria em 1978 tanto o Mundial de Contrutores como o de Pilotos, com Andretti sendo campeão e Peterson vice, fato que não acontecia numa equipe de F-1 desde a Brabham em 1967. A Lotus estabeleceria um recorde de vitórias na F-1 : oito, sendo seis de Andretti, duas de Peterson e um total de quatro dobradinhas sempre com o americano na frente.  Um domínio absoluto. No entanto ficou claro que o sueco obedecia as ordens de Chapman e que, se quisesse, poderia ser tão ou mais rápido que Andretti. Questionado por muitos porque aceitava o jogo de equipe, Peterson dizia que assinou  para ser o 2º piloto e cumpriria a promessa, pois quebrar o contrato significaria uma traição à Chapman que afinal acreditou nele quando muitos chefes de equipe o consideravam acabado para a F-1.

            O retorno à Lotus em 1978 foi uma redenção para Peterson que sentiu-se revitalizado. O sueco voltou a ser valorizado e achava que ainda poderia ser campeão. Mas não na Lotus. Como não queria ser  novamente "o segundo de Andretti", assinou com a McLaren para ser o 1º piloto da equipe em 1979, ano que não viveria. Na largada do G.P. da Itália de 1978, um terrível acidente envolveu 10 carros. Peterson foi retirado do Lotus com as pernas destruídas, morrendo de embolia no dia seguinte.

           A tragédia de Peterson acabou criando um  clima de comoção na F-1 e os jogos de equipes passaram a ser mais questionados. Coincidência ou não foi o período que vários pilotos se insurgiram contra determinações das equipes como foi o caso de Reutemann na Williams em 1981, Pironi na Ferrari em 1982 e Arnoux na Renault também em 1982. Somados a eles, a divisão na Williams em 1986 e a "revolta" de Mansell na Ferrari em 1990, marcaram um curto período de 10 anos em que 5 títulos foram perdidos por rivalidade dentro das equipes. E das grande apenas uma não perdeu dessa forma nesse período : a McLaren. Ron Dennis sempre gostou de dizer que sua equipe era a mais organizada da F-1 e a que nunca fazia jogo de equipe. Organizada pode ser, mas quanto ao jogo de equipe...

Reutemann não aceitou ser o escudeiro de
Jones na Williams em 1981. Queria ser o campeão.
No final, nenhum deles ficaria com o título.

            Dennis, de certa forma, seguiu a idéia de Luca di Montezemolo em 1975 : "o melhor piloto da equipe tem que vencer". Luca fez isso quando definiu Niki Lauda, e não Clay Regazzoni, como o piloto da Ferrari que deveria ser o campeão daquele ano.  Dennis partiu da mesma premissa : foi assim com Alain Prost em 1986 em relação à Keke Rosberg,  Ayrton Senna em 1990 e 1991 em relação à Gerhard Berger, Mika Hakkinen em 1998 e 1999 em relação à David Coulthard  e Lewis Hamilton em 2008 em relação à Heikki Kovalainen . Em todos esses casos havia uma disparidade proposital muito grande entre os pilotos para evitar o que Ron Dennis mais temia : o conflito. Além disso a hierarquia na equipe deveria ser obedecida e os pilotos escolhidos para servirem de "escudos" deveriam acatar as ordens, sem contestação. Não foi por acaso que pilotos como Berger e Coulthard , dois "bon vivants" foram contratados.

  "Bon Vivant" e querido por todos na F-1, David Coulthard acabava
    virando uma marionete nas mãos de Ron Dennis. O episódio do
G.P. da Bélgica de 1998 seria um exemplo disso.
                
                 O escocês inclusive seria protagonista de um dos acidentes mais absurdos envolvendo segundos pilotos. Em 1998, Schumacher da Ferrari e Hakkinen da McLaren, disputavam o título ponto a ponto. No G.P. da Bélgica disputado debaixo de um dilúvio, o alemão ia dar uma volta de vantagem sobre Coulthard. O escocês não abria caminho. Jean Todt, chefe de equipe da Ferrari, foi reclamar com Ron Dennis. Coulthard resolveu "abrir caminho" simplesmente tirando o pé do acelerador na frente de Schumacher que sem enxergar nada, devido a nuvem de spray levantada pelo McLaren, bateu na traseira do escocês ( ver vídeo abaixo ) . Uma atitude irresponsável, já que todos sabem no automobilismo que numa corrida com chuva nunca se deve tirar o pé do acelerador numa reta, principalmente sabendo que tem alguém atrás. Schumacher invadiu os boxes e quase agrediu Coulthard perguntando : "você quis me matar ? ". Os ingleses ficaram do lado de Coulthard, culpando Schumacher. O escocês jurava inocência. Mas anos depois quando saiu da McLaren admitiu que, de fato, errou...


               O fato de Coulthard ter admitido o erro não significa porém que o acidente foi intencional. Isso ninguém saberá. O que não foi o caso de Nelsinho Piquet no G.P. de Cingapura em 2008. Ao reconhecer que jogou seu próprio carro no muro devido a um pedido do chefe de equipe da Renault, Flavio Briatore, e do engenheiro-chefe, Pat Symonds, para facilitar a vitória de seu companheiro de equipe, Fernando Alonso,  a F-1 viveu um de seus momentos mais negros. Mostrou até que ponto uma equipe poderia usar um segundo piloto para atingir um objetivo. No entanto, uma dúvida paira no ar ainda : quantos casos mais ou menos parecidos aconteceram e ninguém ficou sabendo ?

              Voltando ao "modus operandi" da McLaren, Dennis evitava ao máximo criar um clima de animosidade entre seus pilotos determinando claramente quem era o seu piloto principal. Mas nem sempre isso era possível. Por quatro vezes a equipe teve dois grandes pilotos que se equiparavam. Menos mal que em três desses casos a superioridade da McLaren era tão grande que acabou não atrapalhando a disputa do título : em 1984, com Niki Lauda e Alain Prost ; e em 1988 e 1989 com o mesmo Prost e Ayrton Senna. Mas o mesmo não aconteceria em 2007.


  A guerra interna  entre Alonso e  Hamilton
foi o principal responsável pela derrota da equipe inglesa
em 2007. O ambiente era insuportável.  

              2007 ficou marcado como o único ano da história que a McLaren perdeu o título por uma disputa interna entre seus pilotos. Aconteceu o que Dennis receiava e sempre evitou : a equipe ter dois grandes pilotos mas não ter um carro superior a concorrência. A equipe contratou o bi-campeão Fernando Alonso para ser o seu principal piloto e ao lado dele, Lewis Hamilton, estreante na F-1, que era o piloto de testes da equipe. Ninguém poderia imaginar que o inglês seria páreo para o espanhol, mas foi. Além disso a mídia inglesa estimulou Hamilton a se voltar contra Alonso. Estava armada a guerra. Dennis perdeu o controle sobre a equipe e viu na última prova do ano Kimi Raikkonen da Ferrari ser campeão em cima da dupla da McLaren. Como o ambiente se tornou insuportável, Alonso deixou a equipe e voltou à Renault. No lugar dele a McLaren contratou o fraco Kovalainen para ser o 2º piloto de Hamilton no ano seguinte. Tudo voltara ao normal. Sem conflitos internos o inglês seria o campeão em 2008.

                Na próxima coluna a quinta e última parte de "Muito além de Maranello"

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