quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Muito além de Maranello ( parte III )

A rivalidade entre Piquet e Mansell não só fez a Williams
perder o mundial de pilotos de 1986
como o próprio motor Honda para a McLaren em 1988

             Na temporada de 1986 a equipe Williams foi a campeã mundial de construtores com 141 pontos contra 96 da McLaren e venceu 9 corridas no ano contra apenas 4 da também McLaren. Mesmo assim conseguiu perder o título mais importante, o de pilotos. Como isso pode acontecer ?

             Tudo começou quando em meados de 1985 a Williams anunciou que havia contratado Nelson Piquet para ser o primeiro piloto da equipe no ano seguinte. Então bi-campeão do mundo, o brasileiro era o melhor acertador de carro da F-1 e cairia como uma luva numa equipe que precisava dar um salto de qualidade depois de passar alguns anos desenvolvendo os motores Honda. Nigel Mansell seria seu companheiro de equipe, um piloto rápido, mas que com mais de 70 GPs disputados acabara de conquistar, no final de 1985, sua primeira  vitória na F-1 . O inglês não parecia então ser uma ameaça ao brasileiro.

             A situação começou a se complicar quando um grave acidente na estrada deixou o dono da equipe, Frank Williams, paralítico no ínicio de 1986. Frank ficaria vários meses hospitalizado e só voltaria a frequentar as corridas em julho. Piquet perderia nesse tempo o seu principal aliado, o homem que fora o principal responsável por sua contratação. Influenciado pela mídia britânica, a Williams começou a dar preferência à Mansell que venceu quatro corridas até o meio do ano contra apenas uma de Piquet. O brasileiro resolveu reagir a partir do G.P. da Alemanha quando declarou abertamente que não passaria mais informações para a equipe que trabalhava para o inglês. "Eles copiam o acerto que faço no meu carro para o carro do Mansell. E nunca tem retorno".  Deu certo. Nas quatro corridas seguintes, Piquet venceu três. Quando a F-1 chegou para a última corrida do ano na Austrália, Mansell, Piquet e Alain Prost, da McLaren, disputavam o título. Com a equipe dividida, a Williams fez uma corrida desastrosa do que se favoreceu Prost para ganhar a prova e o Mundial.

Com a acidente de carro de Frank Williams, Piquet perderia em
boa parte de 1986 seu principal aliado. Quando Frank voltou
as pistas em julho, o conflito na equipe já estava instalado.
                          
              Bombardeada por uma chuva de críticas ao perder um título de pilotos por total falta de comando, Frank Williams se defendeu declarando que não se fazia mais ( referindo-se ao episódio Jones-Reutemann em 1981 ) jogo de equipe dentro da Williams. Parte da mídia inglesa abraçou essa causa, mas os japoneses da Honda não. A perda do Mundial com um carro e um motor superior aos demais foi considerada inadmissível. Surgiu nesse instante a figura de Ron Dennis e a derrota de 1986 ainda custaria muito caro para a Williams.

               Ron Dennis, chefe de equipe e acionista da McLaren tinha um objetivo : tirar o motor Honda da Williams. Mesmo sendo tricampeã de pilotos entre 1984 e 1986, Dennis percebia que a McLaren com seus motores TAG Porsche perdia terreno e  já não era páreo para os Honda que equipavam à Williams. Quando a Williams perdeu o mundial de 1986, Ron Dennis viu surgir a oportunidade que esperava. Foi em busca dos japoneses com um pensamento claro : "A McLaren é a melhor opção para a Honda. Aqui não é a Williams.  Perder um título como eles perderam em 1986 jamais acontecerá na McLaren". A Williams Honda se redimiria em 1987 e venceria tanto o mundial de pilotos, com Nélson Piquet, como o de construtores. Mas isso não bastou : a Honda iria trocar a Williams pela McLaren em 1988...

    Ron Dennis para os japoneses da Honda :
   Fiquem conosco. A McLaren não é a Williams...

              As consequências de 1986 foram devastadoras para a Williams. A equipe havia feito todo o desenvolvimento dos motores Honda desde 1983. Quando esse motor atingiu o ápice a equipe não desfrutou totalmente dessa glória e entregou para a McLaren que iria colher os louros. No final das contas a Williams venceria com a Honda apenas em 1987, enquanto a McLaren teria uma hegemonia de quatro anos ( 1988 - 1991 ) com os japoneses.

               O curioso é que a McLaren constantemente coloca em cheque a postura ética da Ferrari. Mas Ron Dennis não pensou duas vezes em "passar para trás" à Williams nesse caso, mesmo sabendo que foi ela que desenvolveu o motor Honda durante cinco anos e que um acordo da McLaren com os japoneses significaria também que a Williams ficaria sem motores para 1988. Será que os ingleses, antes de falar da Ferrari, acham que isso é um exemplo de conduta ?

              A guerra que aconteceu entre os pilotos na Williams em 1986, também aconteceria na McLaren em 1989 com Alain Prost e Ayrton Senna, só que com uma diferença fundamental. O domínio que a equipe de Dennis teria em 1988 e 1989 era tão avassalador que nem mesmo o conflito entre seus pilotos foi capaz de ameaçar o título da McLaren. O brasileiro venceu em 88 e o francês em 89, saindo logo depois para defender a Ferrari em 1990. No lugar de Prost na McLaren entrou o austríaco Gerhard Berger que passaria a ser, de certa forma, o que François Cevert foi para a Tyrrell no início dos anos 70.


 A McLaren contratou Berger para ser o 2º piloto de Senna.
 O austríaco utilizou algumas manobras pra lá de discutíveis.
Será que a McLaren esqueceu disso ?

                Berger foi contratado para ser o 2º piloto de Senna. Este nunca teve dúvidas de que o austríaco jamais seria uma ameaça para ele, simplesmente pelo fato de ter consciência que era muito superior à Berger, que sabia disso, assim como Cevert sabia em relação à Stewart. O objetivo de ambos era facilitar o caminho rumo ao título da estrela maior da cia. . As semelhanças terminavam no entanto aí. Cevert teria sido o substituto de Stewart se não tivesse morrido antes, já Berger jamais foi colocado como tal. Outra diferença : Berger estava disposto a qualquer coisa para ajudar Senna a conquistar títulos, até usar manobras ilícitas.  Coisa que Cevert nunca fez. A temporada de 1990 seria um exemplo disso.

                 1990 seria também o último ano do século que uma equipe dividida permitiria que outra levasse vantagem e vencesse o título. A situação da McLaren era clara mas a da Ferrari...

                  A equipe italiana além do recém contratado Prost contava com Nigel Mansell que estava lá desde o ano anterior. Sem ter o apoio que tinha na Williams contra Piquet, o inglês era superado constantemente pelo francês. No meio do ano, já sem chance de ser campeão, tomou uma decisão "posso não ser campeão, mas Prost também não será...". Sua atitude revelaria uma profunda mágoa por entender que Prost jogava a equipe contra ele. No G.P. de Portugal, Mansell chegou a um ponto de literalmente jogar o carro em cima de Prost na largada ( ver vídeo abaixo ) numa manobra inacreditável. E pior, no pódium, levantou o braço de Senna como se fossem amigos ( nunca foram ) e também como uma forma de saudar quem ele achava que, de fato, merecesse o título, ignorando totalmente Prost que, ao seu lado, atônito, não entendeu nada...



  
               Se a Ferrari vivia o caos, na McLaren tudo girava em torno de Senna. Berger apenas obedecia. O negócio era fazer o brasileiro ser campeão, não importava como. O melhor exemplo aconteceu na largada do G.P. da Bélgica, quando a única preocupação do austríaco foi o de jogar o carro em cima de Prost para que Senna não perdesse a liderança. Foram duas vezes ( ver vídeo abaixo ), já que a 1ª largada foi anulada, uma em cada largada, sendo a segunda escandalosa.  Berger não receberia nenhuma punição numa época em que a FIA começou a perder o controle sobre a atitude de determinados pilotos. O final do campeonato todos sabem : Senna para se vingar do acidente do ano anterior, quando perdeu o título para Prost, bateu de propósito no francês na largada do G.P. do Japão e foi o campeão. De qualquer forma, a Ferrari mais uma vez perdeu um título por não saber conter o ímpeto do seus pilotos e desta vez pelo puro prazer de Mansell, que não tinha mais chance de ser campeão,  ver Prost, que disputava o título, ser também derrotado.




                Na próxima coluna  a quarta parte de "Muito além de Maranello".                    

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