sábado, 2 de outubro de 2010

Muito Além de Maranello ( Parte V )

  A política da Ferrari não diferiu muito das demais na F-1 : 
quando você tem um piloto muito melhor que os outros, 
a prioridade vai ser sempre do melhor, sendo assim...

               A tendência de um piloto absoluto nas grandes equipes imperou  na F-1 nos anos 90 e na 1ª década do novo milênio. Ninguém mais queria perder um título de maneira estúpida ( vide Ferrari 1990 ) , os investimentos das equipes e patrocinadores não permitiam mais tamanha "proeza". E isso ficaria claro nos anos seguintes. A Williams definiu Nigel Mansell como o 1º piloto em 1992 e venceu o título, fato que seria repetido com Alain Prost em 1993. No ano seguinte, Senna era também o 1º piloto da Williams quando morreu. Schumacher foi então bi-campeão na Benetton em 1994 e 1995 e seus companheiros de equipe foram pilotos do "calibre" de JJ Lehto, Jos Vestappen e Johnny Herbert... O próprio Alonso quando foi bi pela Renault em 2005 e 2006 teve ao seu lado, Giancarlo Fisichella, um piloto bom, mas que jamais seria uma ameaça ao espanhol.

              A política adotada pela McLaren de definir quem era o seu principal piloto seria tomada também pela Ferrari na "era" Schumacher. Depois de perder os títulos de 1982 e 1990, a equipe de Maranello não queria mais dar chance ao azar. O alemão chegou na Ferrari em 1996, quando os italianos já não venciam um Mundial desde 1979. Durante 10 temporadas Schumacher foi campeão 5 vezes. tendo como companheiros de equipes 3 pilotos  : Eddie Irvine, Rubens Barrichello e Felipe Massa. O que se viu nas outras equipes também aconteceu na Ferrari : quando você tem um piloto muito melhor que os outros, a prioridade vai ser sempre do melhor, sendo assim...

  O Brasil  e o jogo de equipe
              
Tem sido muito comentado no Brasil que os pilotos brasileiros são vítimas do jogo de equipe da Ferrari. Mas será que são mesmo, ou será que isto não é uma forma de esconder uma realidade muito mais dura ?

 Prejudicado pela Lotus em 1973, Emerson Fittipaldi fez uma exigência
para ir para a McLaren em 1974 : ser o 1º piloto da equipe.
Acabou campeão.

              Em primeiro lugar dar prioridade a um piloto dentro de uma equipe já ajudou e prejudicou o Brasil na disputa de títulos Mundiais. Em 1974, 1981 e 1990 ajudou, quando respectivamente Emerson, Piquet e Senna foram campeões, porque eles eram os primeiros pilotos de suas equipes, enquanto os principais rivais sucumbiram diante do conflito  interno em sua próprias equipes. Por outro lado, o Brasil se viu prejudicado em 1973 com Emerson , em 1986 com Piquet e em 2008 ( que falaremos mais tarde ) quando aconteceu o inverso. Já os casos ocorridos na Ferrari,  com Barrichello na "era" Schumacher e com Massa este ano, nada tem a ver com os exemplos citados, pois eles foram completamente suplantados por seus companheiros de equipe.

              O caso de Barrichello é mais emblemático. Quando o nome do brasileiro foi sugerido para ser o seu companheiro de equipe em 2000, Schumacher não fez qualquer objeção por saber que  Rubens não representaria o menor risco para ele, tal sua superioridade sobre o brasileiro. E isso de fato aconteceu. Durante os seis anos em que correram juntos na Ferrari o alemão foi 5 vezes campeão mundial e o brasileiro, com o mesmo carro, foi duas vezes vice... O alemão venceu 49 corridas no período, contra 9 de Rubens. O brasileiro só raramente e em situações muito circunstanciais conseguia ser mais rápido que Schumacher, portanto nunca houve sequer rivalidade entre os dois, tamanha a superioridade do alemão. Foi o que aconteceu com Senna e Berger na McLaren, Alonso e Fisichella na Renault...

  A mágoa que Barrichello tem da Ferrari esconde uma realidade
muito mais dura : a de que ele nunca foi páreo para Schumacher,
assim como Berger não foi para Senna, Fisichella não foi para Alonso...
  
                  Alguns jornalistas brasileiros que cobrem a F-1 diziam que o azar de Barrichello foi que apareceu um gênio como Schumacher em seu caminho e só por isso ele não foi campeão. Já o próprio brasileiro falava que ele não atingiu o título porque a Ferrari não quis. Ambas teorias cairam por terra em 2009 quando ele e Jenson Button foram companheiros de equipe na Brawn. O inglês acabou campeão mundial com facilidade vencendo seis corridas. Barrichello, com o mesmo equipamento, obteve apenas duas vitórias e nem vice conseguiu ser.

                 Tudo se repetira, Barrichello mudou de equipe mas continuou perdendo, só que desta vez para um piloto que está muito longe de ser um Schumacher. Para piorar ficou claro que a equipe Ferrari não era, afinal, a responsável por suas sucessivas derrotas para o alemão. Qual será a justificativa agora ? Será que Barrichello vai alegar que a Brawn  o preteriu também ?

    A situação de Barrichello não mudou muito na Brawn em 2009 : 
    continuou perdendo. Só que o "Schumacher" da vez era 
Jenson Button. ( na foto no pódium do G.P. de Mônaco )
              
              Já Massa mesmo sendo mais piloto que Barrichello vive um momento difícil. Ao entrar na Ferrari em 2006, Massa passou a ser uma aposta da Ferrari. Os italianos não queriam continuar com Barrichello em 2007  e começaram a "namorar" Massa. Percebendo a manobra Rubens preferiu cair fora da Ferrari já em 2006 com um discurso ( falso ) de que não queria mais continuar na Ferrari. Queria, mas percebeu que a dupla de Ferrari seria futuramente Raikkonen-Massa e ele seria demitido. Então preferiu dizer que estava indo embora...
             
               Massa então entrou na equipe italiana e fez uma boa temporada de 2006 ao lado de Schumacher. Com a chegada de Raikkonen em 2007, muita gente acreditou que o brasileiro seria "engolido" pelo finlandês. Mas não foi assim. Faltando cinco provas para o final do Mundial, Massa estava na frente de Raikkonen na tabela, foi quando o finlandês reagiu e venceu três ( uma quando Massa abriu caminho no G.P. do Brasil ) das últimas quatro provas se tornando o campeão do mundo.

Em 2008, Massa foi o piloto que mais venceu GPs e o que mais teve
Kms na liderança. Mas isso não foi o suficiente para lhe dar o título.
              
            Se era favorito na Ferrari em 2007, Raikkonen com o título conquistado se tornou ainda mais favorito para 2008. Tudo ia bem até o  G.P. do Canadá quando Hamilton  bateu dentro do boxe na traseira do finlandês que liderava a prova. Na corrida seguinte, na França, era de novo líder quando teve um problema mecânico e cedeu a posição à Massa que ganhou a prova. A partir daí a temporada de Raikkonen desandou e ele não venceria mais nenhuma prova até o final do ano.

              Já Massa parecia fadado ao título : foi o piloto que mais venceu no ano ( 6 vezes ) e o que mais teve Kms na liderança ( 1.749 ) , mas mesmo assim perderia o Mundial por um mísero ponto para Lewis Hamilton. Mais uma vez ficou uma sensação que a Ferrari jogou um título fora. Dois erros da equipe foram fatais para a perda do Mundial : a quebra do motor de Massa no G.P. da Hungria a poucas voltas do final quando liderava e o desastrado reabastecimento em Cingapura, quando o brasileiro também tinha tudo para vencer, ao receber errôneamente uma ordem para sair dos boxes e carregou a mangueira de combustível junto. Desde a época de Ayrton Senna era a primeira vez que o Brasil teve chances reais de ter novamente um título na F-1 e Felipe merecia, porque foi entre os postulantes ao título, o melhor piloto de 2008, cometendo bem menos erros do que Hamilton que acabaria campeão.

   Não havia qualquer animosidade entre os pilotos da Ferrari em 2008.
Só que a equipe  demorou muito a definir
quem seria o 1º piloto. E quando definiu, era tarde.

              Para a Ferrari, no entanto, ficou uma sensação de "déjà vu", a repetição de erros do passado. A equipe foi em 2008 a campeã do Mundial de Construtores e foi também a que mais venceu obtendo 8 vitórias ( além das 6 de Massa, Raikkonen venceu 2 vezes ) contra apenas 5 da McLaren que, no entanto, concentrou suas forças em Hamilton vencendo essas 5 provas. A diferença é que dessa vez não houve nenhuma guerra entre seus pilotos já que Massa e Raikkonen  tinham uma relação cordial. A direção da Ferrari ficou simplesmente sem saber o que fazer : se apoiava o seu campeão mundial Kimi Raikkonen ou Felipe Massa que foi muito além das expectativas. O curioso é que a Ferrari perdeu   o Mundial de 2008 porque também não deu preferência a nenhum de seus pilotos, não fez nenhum jogo de equipe, jogo que ela é tão acusada...

               Em 2009, a Ferrari não seria tão competitiva e só venceria uma prova, o G.P. da Bélgica com Raikkonen, e  aconteceria o pior : uma mola lançada do carro de Barrichello atinge o capacete de Massa ferindo seu rosto nos treinos do G.P. da Hungria, deixando o brasileiro em coma por uns dias, e o tirando do resto do Mundial. Com o brasileiro ainda convalecendo a Ferrari anunciou que contratou Fernando Alonso para o lugar de Raikkonen para a temporada de 2010. O outro lugar estava garantido para Massa.

 Fernando Alonso ganhou a preferência
da Ferrari em 2010 dá melhor forma : 
sendo constantemente mais
rápido que Felipe Massa.
          2010 no entanto não tem sido fácil para o brasileiro. Ao seu lado agora está um piloto muito diferente de Kimi Raikkonen. O finlandês é excelente, mas tem um estilo "que não tá nem aí", típico até dos pilotos dos anos 70. Kimi é rapidíssimo, mas se as coisas não dão muito certo, ele não liga. Alonso não. Não só é meticuloso como coloca a equipe para trabalhar junto com ele, "molda" a equipe ao seu jeito, coisa que Prost, Senna e Schumacher também faziam. E além de tudo é simplesmente o melhor piloto da atualidade. As coisas então se complicaram para o brasileiro que não venceu nenhuma prova até agora. Já Alonso, além de ter vencido 4 GPs, vem sendo constantemente mais rápido que Massa que até agora só largou na frente do espanhol no Bahrein e na Turquia.
           
          O caso do G.P. da Alemanha, pivô de toda polêmica da validade ou não dos jogos de equipes em que Massa cedeu a vitória à Alonso, foi completamente inusitado. Se vocês repararem Felipe só assumiu a liderança por acaso  ( ver vídeo abaixo ) porque Vettel deu uma tremenda fechada em Alonso na largada. Caso contrário jamais teria tomado a ponta. Depois no desenrolar da corrida, a Ferrari decidiu que Alonso, o seu melhor piloto ( e que pelo seu talento tem mais chance de arrebatar o título no final do ano ) , por vim mais rápido que Massa ( que só estava na liderança por um fato casual ) e por ter Vettel se aproximando ( que poderia indiretamente causar um acidente entre as Ferrari, vide o que aconteceu com a Red Bull na Turquia ) teria que ser o vencedor da prova. Estão errados ?               



               Cada um analise como quiser. O que me parece lamentável é a insistência da imprensa nacional em repetir que a Ferrari prejudica os pilotos brasileiros. Será que isso não esconde na verdade uma enorme frustração pelo Brasil não vencer um título Mundial de F-1 há quase 20 anos ?  E que durante esse tempo todo, o Brasil esteve muito longe disso ( só teve uma chance real com Massa em  2008 ). O que deveria entrar em discussão é porque depois de Emerson, Piquet e Senna, o Brasil não produziu um novo campeão mundial. Será que não é porque, exatamente, não temos um Schumacher, um Alonso...
               
Jogo de equipe : proibir ou não ?

               Como se vê o jogo de equipe sempre fez parte da história da F-1. As equipes por investirem milhões de dólares na categoria tem todo o direito de tomarem as decisões que bem entenderem. O que deve ser combatido são as medidas extremas das equipes, cegas para vencer a qualquer custo, como foi o caso da McLaren com Coulthard no G.P. da Bélgica de 1998 ou o da Renault no G.P. da Cingapura em 2008. Mas acreditar que proibir o jogo de equipe vai simplesmente resolver todos os problemas é uma grande ilusão, porque existem várias formas de fazê-lo. É utopia pura. Para que não ocorra nenhum tipo de manobra só existe uma solução : cada equipe passa a ter apenas um piloto. Ótimo, se não fosse por um detalhe : será que alguém assistiria uma corrida com 12 carros ?

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