segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Muito além de Maranello ( Parte II )


   François Cevert, escudeiro de Jackie Stewart na Tyrrell em
    1973, esperava ser o 1º piloto da equipe em 1974. 
  Não teve tempo. Morreu antes.

                  No final da temporada de 1973, Emerson Fittipaldi trocou a Lotus pela McLaren com a certeza que teria lá o que faltou na equipe de Colin Chapman naquele ano : a garantia de que ele seria o 1º piloto da equipe. Campeão do Mundo pela Lotus em 1972, Emerson viu sua soberania ser ameaçada na equipe quando o veloz sueco Ronnie Peterson foi contratado para ser seu companheiro no ano seguinte.  Emerson entendia que, como campeão, merecia ser o 1º piloto da Lotus. Chapman não entendia assim e deixou que seus pilotos lutassem entre si pelo título.

                   Faltando ainda três corridas para o fim do Mundial apenas Emerson e Jackie Stewart, da Tyrrell, ainda tinham chances de serem campeões. No G.P. da Itália, em Monza, Emerson precisava vencer para continuar na disputa pelo título, e vinha em segundo na prova atrás de Peterson. O brasileiro ficou esperando uma ordem de equipe para Peterson  deixá-lo passar. Essa ordem nunca veio. Emerson chegou em segundo e Stewart foi o campeão.

                   Emerson ficou furioso e preferiu trocar de equipe. A imprensa brasileira apoiou seu piloto achando que a Lotus deveria ter feito jogo de equipe e dado a vitória a Emerson. Interessante, o jogo de equipe tão criticado, passa a ser aceito dependendo de quem sejam os envolvidos. Esse caso foi o primeiro que um piloto brasileiro esteve diretamente ligado. E não estamos falando de um passado muito distante não. Seriam muitos ainda, contra e a favor...
                       
Nem a amizade entre Ronnie Peterson e Emerson Fittipaldi
  foi capaz de dar a Lotus o título de pilotos de 1973.
A equipe não deu prioridade a ninguém. E perdeu.

                   O jogo de equipe sempre fez parte da história da F-1. Nos anos 50 chegava-se a um ponto que um piloto poderia abandonar uma corrida e ceder o seu carro a um companheiro de equipe. Depois isso foi proibido. Mas o jogo continuou de qualquer forma. A temporada citada de 1973 entrou na história como a primeira que uma equipe com um carro nitidamente superior, no caso a Lotus, perdeu o título por não ter havido uma determinação de qual de seus pilotos deveria vencê-lo. Se faltou isso a Lotus, não faltou a Tyrrell,  que deixou claro desde o início que Jackie Stewart seria o 1º piloto e que o seu companheiro de equipe, o francês François Cevert, seria seu escudeiro.

                    Cevert se tornaria o segundo piloto clássico, o primeiro claramente nessa missão. Mas ele era mais do que isso. Ao entrar na Tyrrell em 1971, Cevert se tornou amigo íntimo de Stewart que virou também professor e mentor do francês  com um objetivo : ele seria seu substituto na Tyrrell quando se aposentasse. A dupla fez um total de seis dobradinhas em três temporadas, sempre com Stewart na frente, um recorde que duraria 15 anos e só seria batido pela McLaren em 1988 com Senna e Prost. Cevert nunca reclamou de sua condição de segundo piloto sabendo que seria recompensado no futuro, quem sabe já em 1974. Mas ele não chegaria lá. Nos treinos para o G.P. dos EUA, última prova do Mundial de 1973, ele sofreria um acidente fatal. Stewart se aposentou, não deixou herdeiros e a Tyrrell jamais se recuperaria dessa tragédia.
                       
   Cena comum da Tyrrell no início dos anos 70.
  Jackie Stewart lidera sendo seguido por seu pupilo
 François Cevert que segurava o resto.
  
                      A divisão de equipe que acabou definindo o título contra Emerson Fittipaldi em 1973, também definiria o Mundial de 1974, só que agora a favor do brasileiro. Sua condição de 1º piloto da McLaren foi primordial para isso, porque assim como a Lotus em 1973, a Ferrari teve em 1974 o grande carro da temporada, mas também deixou seus pilotos, Niki Lauda e Clay Regazzoni, se tratarem como rivais, tirando pontos um do outro e oferendo o título à Emerson, que tinha um carro bem inferior. A perda do título de 1974 serviu de lição para Luca di Montezemolo, então diretor esportivo da Ferrari. Isso mudaria para sempre o modo em que Luca gerenciaria a equipe de Maranello não só como diretor, mas como presidente a partir dos anos 90.

                   Sua primeira decisão foi definir Niki Lauda como o primeiro piloto da Ferrari para 1975. O austríaco, ainda imaturo, cometera alguns erros em 1974, mas era claramente superior à Regazzoni. Luca entendia que o melhor piloto deveria ter preferência e que perder um título com um carro melhor é inadmissível. Montezemolo não se arrependeria. Lauda venceria o mundial com facilidade, sendo depois campeão também em 1977, e só não sendo tricampeão seguido devido ao seu terrível acidente no G.P. da Alemanha em Nürburgring, em 1976, quando ficou em estado de coma, chegando a receber a extrema unção. Lauda sobreviveria, mas ficaria de fora duas corridas, do que se aproveitou James Hunt da McLaren para ganhar o Mundial com um ponto de vantagem sobre o heróico Lauda.

     Os erros de 1974 não poderiam mais ser cometidos. 
     Luca di Montezemolo definiu que Lauda seria o homem
a ser laureado em 1975. Acertou.
 
                      A mesma diferença de pontos decidiu o Mundial de 1981 a favor de Nélson Piquet. A história de 1973 e 1974 se repetiria. O brasileiro da Brabham era soberano na equipe, enquanto na Williams imperava o caos. Alan Jones, o então campeão, era o 1º piloto da equipe e Carlos Reutemann, o segundo, com um contrato assinado determinando-o como tal.  No G.P. do Brasil, no Rio de Janeiro, liderava a prova com Jones em segundo quando recebeu ordem da equipe para ceder a posição para o australiano. Mas o argentino não quis saber. Peitou a equipe e venceu a prova. Jones nem quis subir para o pódium e eles nunca mais se falaram. A guerra estava declarada. A equipe rachou ao meio do que se aproveitou Piquet para ser campeão na última prova.

                   Em 1982 a F-1 assistiria a rivalidade mais curta e trágica de sua história entre dois pilotos de uma equipe. Durou apenas duas semanas. A tragédia se consumou pela falta de comando do diretor esportivo da Ferrari, Marco Piccinini, substituto de Montezemolo que havia assumido um papel na direção da FIAT desde o final dos anos 70. Existia uma determinação na Ferrari que caso seus dois pilotos estivessem liderando a prova, as posições deveriam ser mantidas. Ou seja, disputa por posição só do 2º lugar para trás. Gilles Villeneuve havia obedecido cegamente essa determinação em 1979, o que contribuiu para que seu companheiro de equipe na Ferrari, Jody Scheckter, fosse o campeão naquele ano. No G.P. de San Marino de 1982 (ver vídeo abaixo) , os carros da Renault lideravam com as Ferrari de Villeneuve e Didier Pironi atrás. Quando as Renault quebraram, Villeneuve acreditou que Pironi faria o trato. Estava errado.



                          
                   Até então não havia o menor sinal de animosidade entre os dois. Pelo contrário, eram amigos, pelo menos Villeneuve pensava assim. Ao assumir a liderança em San Marino o canadense estava com um pequeno problema no turbo, mas como Pironi aparentemente não seria uma ameaça, ele acreditou ter a vitória nas mãos. Foi com surpresa que Villeneuve viu Pironi passar por ele. Os pilotos trocaram de posições várias vezes, o que pareceu para o canadense que fosse um show orquestrado por Pironi para entreter o público italiano. Não era. Pironi ganhou a prova deixando o canadense pasmo, por acreditar que ele fosse abrir no último instante. Ao ser questionado por Gilles após a prova, Marco Piccinini não tomou posição, e não reprimiu Pironi. Villeneuve se sentiu traído pelos dois. Jurou vingança. Duas semanas depois, morreu em um acidente nos treinos para o G.P. da Bélgica quando tentava a todo custo superar o tempo de...Pironi.

  A rivalidade entre Didier Pironi e Gilles Villeneuve foi a
mais curta da história da F-1 : durou apenas duas
semanas. Mas foi também, a mais trágica.

                     Morto Villeneuve, a temporada de 1982 estava ainda muito longe do seu epílogo. Pironi se viu de repente como a única opção da Ferrari para arrebatar o título. E para facilitar as coisas para o francês estava nascendo um outra rivalidade, agora entre os pilotos da Renault, Alain Prost e Rene Arnoux. No GP da França, Arnoux liderava com Prost atrás. Mais uma ordem de equipe foi dada e mais uma não foi obedecida... Arnoux se recusou a dar a vitória para Prost. Racha na Renault, do qual se aproveitou Pironi para se tornar ainda mais favorito ao Mundial. Com uma larga vantagem de pontos, o título parecia certo, mas o destino não quis assim. Nos treinos para o G.P. da Alemanha, um terrível acidente acabou não só com o sonho de título de Pironi, mas também com sua carreira devido a gravíssimas fraturas nas pernas. No final das contas nem Ferrari e nem Renault arrebataria o título de 1982, o campeão seria a Williams com Keke Rosberg, que esteve muito longe de ter o melhor carro do ano.
                   
                      Na próxima coluna a terceira parte de "Muito além de Maranello"


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