quarta-feira, 23 de março de 2011

Campeão sem coroa ( Parte I )

 O acidente de Robert Kubica pode tirar
o polonês definitivamente da F-1.

 O grave acidente de Robert Kubica no Rally de Andora, na Itália, que deve afastá-lo de toda a temporada de 2011 da F-1 levanta a velha polêmica das injustiças do esporte. Kubica, um piloto de primeiro escalão, nunca teve a chance de pilotar um carro de ponta para disputar um título mundial. E agora  se recuperando de um acidente corre o risco de jamais obtê-lo, pois ninguém sabe em que condição voltará. Se é que voltará...


O Renault completamente destruído. Guard-rail varou o carro
pela frente e saiu pela traseira.

Por vezes fico pensando como se situa o automobilismo nessa questão de justiça : do melhor vencer. O tênis, por exemplo, é sem dúvida um dos esportes mais justos. Afinal o jogador só depende da raquete. O melhor sempre vencerá. O resto é questão de habilidade, de condição física, psicológica. O futebol já é mais complicado. Primeiro : é um esporte coletivo, um jogador depende do outro. Pior, ao contrário do basquete que dezenas de sestas são feitas em um jogo, no futebol o gol é efêmero, na maioria das vezes os placares são apertados : 1x0, 1x1, 2x1...ou seja, a possibilidade de imprevisibilidade é muito maior. Isso cria injustiças, a maioria em Copas do Mundo, que é um torneio de tiro curto, que só acontece de quatro em quatro anos. 

Johan Cruyff : considerado o maior jogador
europeu de todos os tempos, mesmo sem
nunca ter ganho uma Copa do Mundo.
 No tênis os maiores jogadores de todos os tempos são exatamente os que detêm o maior número de títulos nos torneios do Grand Slam. Na lista estão, entre outros : Rod Laver, Roy Emerson, Bjorn Borg, Jimmy Connors, Andre Agassi, Pete Sampras, Roger Federer e Rafael Nadal. Já na Copa do Mundo a justiça não é a mesma. Boa parte dos maiores jogadores de todos os tempos jamais conseguiram vencê-la. A lista é grande : Leonidas da Silva, Puskas, Di Stefano, Cruyff, Zico, Platini, Van Basten e vários outros. O caso do holandês Johan Cruyff é o mais curioso. Cruyff foi eleito por um juri de ex-jogadores, personalidades e jornalistas como o maior jogador europeu de todos os tempos, mesmo sem nunca ter ganho uma Copa. O alemão Franz Beckenbauer, que ficou em segundo na pesquisa e que ganhou a final da Copa de 1974 justamente contra a Holanda de Cruyff, concordou com o resultado com um adendo : "Não tenho dúvidas que Cruyff foi um jogador mais completo do que eu, mas quem ganhou a Copa de 1974 foi a Alemanha". Beckenbauer não deixa de ter razão. O futebol é um esporte coletivo afinal, e o craque, por mais gênio que seja,  não deixa de ser um indivíduo.


Beckenbauer ( com o goleiro Sepp Maier. ) "Cruyff foi um jogador
mais completo do que eu, mas quem ganhou a Copa do
Mundo foi a Alemanha. "

E a Fórmula 1, como se situa nisso tudo ?

Em primeiro lugar, como em qualquer esporte motorizado, o fator carro é fundamental. Como se diz no mundo das corridas "Um mal piloto num carro excelente pode não vencer, mas um piloto excelente num carro péssimo certamente irá perder". De uma forma geral, dentro desse ponto de vista, a maioria dos grandes pilotos tiveram a oportunidade de dirigir grandes carros pelo menos em alguma parte de suas carreiras, mas existiram algumas exceções que vamos falar mais tarde. Um outro fator é que por ser um esporte perigoso o automobilismo matou ou feriu grandes pilotos que não tiveram o que mereciam na categoria : a consagração com um Título Mundial. Kubica, hoje, se situa nos dois casos : um piloto que não teve até agora um carro a altura do seu talento e que sofreu um grave acidente que pode interromper a sua carreira.




Contratado pela BMW  no meio da temporada de 2006, Kubica rapidamente mostrou todo o seu talento e já na sua terceira corrida obteve um excelente terceiro lugar em Monza. Seguiram-se outros bons resultados até que o jovem polonês sofreu um acidente espetacular no G.P. do Canadá de 2007 (ver vídeo acima). Milagrosamente Kubica não sofreu nenhuma fratura e só teve ferimentos leves numa mão o que fez a F.IA. vetar sua participação no G.P. dos EUA. Ao contrário do que se poderia imaginar, Kubica voltou as pistas tão ou mais rápido que antes e terminou o Mundial de 2007 em 6º lugar. No ano seguinte fez a sua melhor temporada obtendo sua 1ª vitória  no G.P. Canadá, na mesma pista do acidente de 2007 e terminou o Mundial em 3º lugar atrás de Hamilton e Massa e empatado com Railkkonen da Ferrari. Dado o carro que tinha nas mãos, um feito.

Kubica sendo levado depois do acidente no Rally na Itália.
Todos os ferimentos estavam do lado direito do corpo,
já que o guard-rail entrou pelo meio do carro.

Mas tudo mudaria em 2009,  a BMW fez um carro muito pouco competitivo e Kubica terminou o ano em 14º lugar. Pior : a equipe alemã anunciou que não disputaria o Mundial seguinte e o polonês de repente se viu sem opções para 2010 até assinar com uma retalhada Renault. Mais um ano difícil e uma classificação final em 8º lugar. O que fazer para 2011 ?  O jeito foi continuar na Renault, porque todas as opções entre as grandes equipes tinham um "porém". Na Ferrari, Kubica jamais aceitaria ser o 2º piloto de Alonso ( de quem é amigo ) . A McLaren formou desde 2010 uma dupla campeã "made in England" Hamilton-Button e nada indica que tão cedo irá mudar. Vettel depois que ganhou o título de campeão ficou numa posição ainda mais forte dentro da Red Bull e por mais que os "Rubro Taurinos" neguem, dificilmente eles vão admitir uma nova guerra entre seus pilotos, o que seria inevitável com uma dupla do calibre de Vettel e Kubica. Como se vê Kubica estava sem uma boa opção de entrar no cockpit  de uma das grandes equipes da F-1 a curto e médio prazo e agora, pra piorar, e justamente quando a Renault parecia ir bens nos testes, aconteceu o acidente.

Mesmo com um carro limitado, Kubica subiu ao pódium
três vezes com a Renault em 2010. Uma delas em Mônaco
quando chegou em terceiro lugar.

Para o GPW, Kubica hoje está no mesmo nível dos que consideramos os melhores da atualidade : Alonso e Vettel. Abaixo dos três colocaríamos por ordem Hamilton e Button. Massa estaria nesse último grupo se não fosse o acidente de 2009 que parece ter, infelizmente, atingido sua performace. Vamos ver em 2011.

Stirling Moss : 16 vitórias na F-1 e quatro vice
campeonatos seguidos. Mesmo sem nunca
ter sido campeão está entre os
maiores.
Kubica então, mesmo antes do acidente, parece ser um talento desperdiçado. O mesmo já aconteceu antes. Stirling Moss, por exemplo,  é considerado o maior "campeão sem coroa da história da F-1". O inglês conseguiu ser vice quatro anos seguidos (1955-1956-1957-1958) , quase sempre com carros bem inferiores a concorrência como a Maserati, a Vanwall e a Cooper. Ele mesmo fazia uma "mea-culpa" por nunca ter ido para a Ferrari, porque o Comendador Enzo Ferrari gostava de controlar seus pilotos e Moss sempre teve uma postura independente. Essa "rebeldia" sempre custou caro. Em 1961, o melhor carro disparado era a Ferrari pilotadas por Phil Hill e Wolfgang Von Trips. Moss , na Lotus, não tinha a menor condição de vencê-las, mas mesmo assim obteve 2 vitórias de forma antológica nas pistas mais desafiadoras : Mônaco e Nürburgring. Lógico, o título ficou para a Ferrari, mas todos sabiam que o inglês era, de longe, o melhor piloto da época. Sua carreira, no entanto, estava próxima do fim, um grave acidente em Goodwood, na Páscoa de 1962, o obrigaria a abandonar as pistas. Muitos jornalistas ingleses consideram Moss o maior piloto inglês de todos os tempos e alguns até acham que ele foi simplesmente o maior piloto de F-1 que já existiu.


Dan Gurney ( dir ) com Jackie Stewart e Graham
Hill.  Para Jim Clark, o único piloto
que ele de fato temia.

O caso de Moss de "campeão sem coroa" é o mais claro, mas tivemos outros pilotos como Dan Gurney, que foi provavelmente o melhor piloto americano que já passou na F-1. Gurney foi considerado por Jim Clark como o único piloto que ele de fato temia, mas o americano nunca esteve na equipe certa na hora certa. Foi para a Brabham em 1963 e ficou até 1965 em um período de crise para a  equipe. Saiu em 1966, justamente quando ela passaria a dominar a F-1 obtendo dois títulos de pilotos e construtores (1966-1967), e foi formar a sua própria equipe, a Eagle, onde durante 4 anos só obteria 1 vitória. Depois se retiraria das pistas com a certeza que poderia ter feito muito mais.

Guardada as devidas proporções, Jean Alesi é mais um caso de um piloto que não teve o que merecia na F-1. É evidente que ele não era um fora de série, como Moss, mas uma decisão tomada pelo francês mudaria para sempre o seu papel na história da F-1. Em 1990, Alesi era considerado a maior promessa da F-1 fazendo milagres com o seu pouco competitivo Tyrrell Ford. O francês foi procurado pela Williams e praticamente acertou um contrato para o triênio 1991-1992-1993. Quando tudo parecia certo ele foi chamado para ter uma conversinha em Maranello...

Uma decisão tomada pela paixão arruinou a carreira
de Jean Alesi que saíu da F-1 com apenas 1 vitória
no currículo. Para o talento dele, muito pouco.

Alesi ficou balançado, seu sonho desde criança foi correr para a Ferrari, como recusar um convite desses ? Ainda por cima a Ferrari foi bem superior a Williams durante todo o ano de 1990. Alesi pediu desculpas para Frank Williams, rompeu o pré contrato e assinou com a Ferrari. Quis o destino que tudo desse errado. A Williams passaria a dominar a F-1 e a Ferrari entraria já em 1991 numa profunda crise que seria a maior de sua história. Em 5 anos de Ferrari, Alesi conquistaria apenas 1 vitória ( e a Ferrari, duas, sendo a outra com Berger ), enquanto que a Williams obteve nesse período dois títulos de pilotos e 39 vitórias. Poucas vezes uma decisão movida por paixão custou tanto.


Em 1996, Alesi trocou a Ferrari pela Benetton. Em Mônaco
liderava com tranquilidade quando o carro quebrou.
Mais uma vez a sorte não esteve ao seu lado.

A decisão de Alesi tirou o francês a chance de estar entre os grandes da F-1. Se Alesi tivesse ido para a Williams, Manselll não teria sido contratado e certamente nunca teria sido campeão. Pior do que isso proporcionou a possibilidade de Damon Hill entrar na equipe em 1993 e depois de muito custo ser o campeão de 1996. A pergunta que fica é : se Hill que era um piloto bastante limitado conseguiu ser campeão na Williams, o que teria feito Jean Alesi ?

Continua : Campeão sem coroa  ( Parte II )

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