Monza, 5 de setembro de 1970 - Jochen Rindt sofre um acidente fatal na curva Parabólica. Teria o austríaco morrido no carro de Emerson ? |
Em abril deste ano, Emerson Fittipaldi concedeu uma entrevista emocionante para o programa de Galvão Bueno no canal Sportv. Com sua simpatia habitual, Emerson falou de sua carreira no automobilismo desde o início no Kart. No entanto, uma afirmação do piloto me deixou intrigado : a de que Jochen Rindt morreu nos treinos do G.P. da Itália de 1970 com o Lotus que deveria ser pilotado por ele. ( ver o trecho da entrevista no video abaixo ). Emerson conta que destruiu o carro de Rindt nos treinos de sexta-feira e por isso o chefe de equipe da Lotus, Colin Chapman, mandou ele ceder o seu carro para o austríaco no sábado, quando aconteceria o acidente fatal. A informação, contudo, vai de contra-mão de tudo que foi divulgado a respeito do acidente até hoje e, mais importante do que isso, contradiz o depoimento da época do próprio Emerson.
Emerson teve entre 1969 e 1980 uma coluna excelente na revista Quatro Rodas onde ele contava tudo que acontecia nas corridas. Mais do que uma coluna, Emerson era o próprio repórter da revista, pois nos primeiros anos da década de 70 a editora Abril não mandava um jornalista especializado cobrir o Mundial de F-1. Era o próprio Emerson que fazia as reportagens e a revista até usou um slogan quando o brasileiro conquistou o título da F-1 em 1972 : "Nosso repórter campeão do mundo".
Em Outubro de 1970, saiu a edição da revista Quatro Rodas com o relato de Emerson sobre o G.P. da Itália. Reproduzimos aqui os trechos mais significativos contados pelo piloto brasileiro :
Quatro Rodas Nº 123 - Outubro 1970 |
"Jochen Rindt morreu depois de um acidente na pista de Monza, na mesma curva Parabólica em que eu havia batido o carro no dia anterior. Poucos minutos antes de sair para duas ou três voltas de que não voltaria com sua Lotus 72, ele estava sentado comigo no boxe falando sobre o futuro. Eu estava esperando meu carro ficar pronto, depois da batida que escapei por muita sorte. (...) Pouco depois ele saiu para treinar. Só fui vê-lo de novo no hospital, onde ele chegou morto."
"A notícia do acidente me foi dada pelo chefe da equipe da Lotus, que veio correndo : "O Rindt se acidentou. O carro ficou arrebentado, mas parece que ele não sofreu nada. Vai continuar treinando no seu carro ou no do Miles."
O título da matéria com o depoimento exclusivo de Emerson Fittipaldi. |
"Fiquei um pouco assustado, mas como ele estava pedindo meu carro para Rindt treinar, pensei que de fato nada de grave havia acontecido e pedi aos mecânicos que apressassem o trabalho, porque Rindt ia precisar do carro. Pouco depois vi um trailer parar no boxe e ouvi a sirene de uma ambulância na pista. Achei estranho todo aquele movimento e a preocupação voltou. Fui ao boxe de Rindt perguntar o que havia e soube que ele não estava bem : tinha sido levado para o hospital. Logo depois, o chefe de equipe mandou que recolhessem tudo, porque iamos embora de Monza. Foi quando percebi que o acidente tinha sido muito grave. Carros e peças da Lotus foram recolhidos e levados de Monza e eu fui ao hospital. Rindt já estava morto."
Jochen Rindt com seu Lotus 72, minutos antes do acidente que o matou. |
"A semana que antecedeu o desastre de Rindt foi de grande expectativa para mim porque eu iria correr pela primeira vez num Lotus 72. (...) Os mecânicos haviam trabalhado muito para que eu tivesse o carro em Monza. Todos demonstravam enorme boa vontade e estavam eufóricos com o novo carro. Para mim, ele tinha um significado especial : era feito especialmente para eu pilotar."
"Os trabalhos finais com meu Lotus 72 me fizeram perder a primeira hora e meia de treino. Rindt e Miles já estavam treinando, quando afinal o terceiro Lotus 72 da equipe, o meu, ficou pronto para os treinos. (...) Dei umas quatro ou cinco voltas e parei nos boxes para uma vistoria geral. Quis tirar o aerofólio, porque Rindt e Miles já estavam rodando sem ele, e Chapman concordou". Depois Emerson contaria que voltaria a pista, e três voltas depois destruiria o Lotus 72.
As primeiras notícias foram que Rindt escapara ileso. A realidade porém era outra. O gesto do mecânico da Lotus diz tudo. |
É evidente que existem aspectos fundamentais que diferenciam os dois depoimentos. A questão que fica é : o que levou Emerson a fazer duas declarações tão antagônicas ? Em primeiro lugar é importante salientar que em nenhum momento o programa de Galvão Bueno anunciou que Emerson daria um depoimento com informações "jamais reveladas" sobre a morte de Rindt. Dado o inediatismo da notícia, isso teria que ser feito. Se não foi, é por uma razão muito simples : ninguém percebeu que Emerson não só deu uma informação inédita como também equivocada, e que foi aceita imediatamente pelo programa sem o devido cuidado. Será que Emerson omitiu a verdade no depoimento à revista Quatro Rodas na época e que todas as informações reveladas até hoje sobre esse acidente pelas revistas especializadas estão erradas ? Não, claro que não. O que provavelmente aconteceu foi uma simples confusão feita por Emerson no programa e que foi intensificada por uma intervenção de Galvão Bueno que ratificou o engano do bicampeão mundial.
Vitória e morte andam mais juntas no automobilismo do que em qualquer outro esporte. 1970 trouxe ambas para Jochen Rindt. |
No G.P. da França, na espetacular pista de Clermont-Ferrand ( foto ) , Rindt obteria a terceira de suas cinco vitórias em 1970. |
Emerson com certeza se confundiu com o fato da equipe ter pedido que seu Lotus 72 fosse cedido à Rindt após o acidente do austríaco, o que acabou não se consumando, pois se pensava que Rindt estivesse bem. Como o engano se deu no momento mais emocionante da entrevista, o fato passou despercebido para Emerson. O que me parece estranho é que esses programas são gravados com grande antecedência e havia tempo suficiente para os editores do programa confirmarem ou não as informações relatadas. Dizer que Rindt morreu no carro de Emerson era um fato novo, e ninguém percebeu isso. Pior : era uma informação completamente equivocada. Este erro pode até ter sido detectado depois, mas deixaram passar, já que isso significaria refazer a cena toda da emoção ( sincera ) de Emerson e talvez fosse mesmo difícil voltar atrás. No entanto, com ou sem intenção, foi criada uma versão fantasiosa do acidente que matou Rindt. Cabe aqui um parêntese.
Em um espaço curto de três meses, Emerson passaria por emoções inimagináveis para um piloto que acabara de estrear na F-1 |
Emerson viveria em poucos meses de 1970 emoções inimagináveis para um piloto que acabara de entrar na F-1. Com apenas 23 anos, fez sua estréia com um 8º lugar no G.P. da Inglaterra, pilotando um carro da Lotus, a grande equipe da época, do "mago" Colin Chapman, tendo como companheiro de equipe, Jochen Rindt, o piloto que liderava o campeonato. Em sua segunda corrida, na Alemanha, chega em 4º obtendo seus primeiros pontos. Depois de um abandono na Áustria, vai para a corrida seguinte na Itália e sofre uma acidente feio na sexta, Rindt morre no sábado, a Lotus não corre e só volta no G.P. dos EUA, quando Emerson vence a prova dando a Jochen Rindt o título póstumo, o único até hoje na história da F-1. Com a morte do austríaco, Emerson se torna o 1º piloto da Lotus e já em 1972 se torna Campeão do Mundo, iniciando então a saga brasileira na F-1.
A vitória de Emerson no G.P. dos Estados Unidos de 1970 deu a Jochen Rindt o título póstumo e ao Brasil seu 1º triunfo na F-1 |
Se alguém lê-se o roteiro diria : é inacreditável. Não, foi real. A história é fantástica, nada mais precisava ser colocado. Contudo, algo fugiu do controle da produção do programa e uma informação adicional foi passada sem o devido registro. Curiosamente a "nova versão" do acidente, e que vem sendo ainda repetida constantemente por Galvão Bueno nas transmissões de F-1, acabou transformando uma história extraordinária num enredo, agora sim, de fato, inverossímel...