domingo, 14 de outubro de 2007

O inimigo mora ao lado

Ron Dennis parece esquecer que o homem de vermelho ainda tem chance de ser campeão.
Coluna Volta Final
( Otto Jenkel )


Faltando uma semana para a decisão de um dos campeonatos de F1 mais disputados dos últimos 20 anos, todas as atenções deveriam estar somente para os três protagonistas que decidirão o título. No entanto, uma declaração dado por Ron Dennis, logo após o G.P. da China, acabou mudando o foco da disputa e cobriu o mundo do automobilismo de espanto.

Perguntado por um jornalista porque Lewis Hamilton se preocupou tanto em defender a liderança da prova contra as investidas de Kimi Raikkonen, sua resposta foi a mais direta possível : " nossa ( da McLaren ) corrida não era contra Raikkonen, e sim contra Alonso." Inacreditável. Em mais de meio século de história, a F1 já proporcionou várias disputas internas entre pilotos da mesma equipe, mas nunca chegou a esse ponto. Um chefe de equipe declarar que seu objetivo é prejudicar um piloto de sua própria escuderia, para favorecer o seu favorito, no caso Hamilton. E ponto final.

A mídia inglesa, evidentemente pró Hamilton, passou a elogiar a "coragem" de Dennis de ter sido tão honesto a ponto de fazer tal declaração. Honesto ? Depois de tudo que aconteceu esse ano, o que não falta a Dennis é uma boa dose de cinismo. A McLaren já deveria ter sido eliminada da temporada faz tempo, devido ao escândalo da espionagem, o que daria o título para Kimi Raikkonen, da Ferrari, com uma prova de antecipação. A FIA, que já se omitiu no julgamento de Paris, não divulgou uma única nota sobre a declaração de Dennis. Coerente. Na omissão, digamos.

Dennis alega que o próprio Alonso se jogou contra a equipe ao chantageá -lo, ameaçando divulgar à FIA e-mails que deixavam claro que a espionagem na Ferrari era de conhecimento geral na McLaren. Pode ser. A atitude do "delator" Alonso foi indigna, mas o que dizer então da própria McLaren ? Como definir essa espionagem sem parâmetros na história ?

Alonso tem tomado pancada de todos os lados. Mas será que existe defesa para o asturiano ? Talvez só uma. Alonso entrou na equipe como o melhor piloto do mundo, e trouxe a McLaren um know-how de quem tinha acabado de conquistar um bicampeonato pela Renault. A McLaren não ganha um título desde 1999, e ele se vê no direito de ter privilégios. Convenhamos que Alonso tem muito mais a oferecer a Hamilton do que o contrário. Além disso, o espanhol tem que aguentar a pressão insuportável, de diversos setores da F1, que querem fazer de Lewis o novo campeão. A punição que Alonso recebeu na Hungria foi a gota d'água. Ele se sentiu roubado e ameaçou Ron Dennis. Foi feio sim, mas ele está praticamente sozinho.

Ao deixar claro que a equipe está contra Alonso, Dennis começa a brincar com os caprichos da história. Afinal de contas, o campeonato ainda não acabou e Kimi Raikkonen, da Ferrari, ainda pode estragar a festa inglesa. Não foram poucas as vezes na história da F1 que pilotos da mesma equipe tiraram pontos um do outro e acabaram dando o título para um piloto de outra equipe.

1973


Peterson e Emerson se tornaram rivais dentro da Lotus em 1973, mas a amizade entre os dois pilotos não sofreu nenhum abalo.

Em 1973, Ronnie Peterson entrou na Lotus para ser companheiro do então campeão Emerson Fittipaldi. A equipe não definiu quem seria o primeiro piloto, do que se aproveitou Jackie Stewart, da Tyrrell, para vencer o campeonato, mesmo tendo um carro inferior. A política da Tyrrell já era completamente diferente. O francês François Cevert era o segundo piloto e seu objetivo era fazer de Stewart o campeão. Cevert "escoltou" Stewart em várias provas, conseguindo três dobradinhas. A Lotus venceu 7 vezes. 4 com Ronnie e 3 com Emerson. Já a Tyrrell foram 5 vitórias, todas com Stewart. Cevert sabia que seu sacrifício seria compensado, já que Stewart estava se retirando das pistas e ele seria o primeiro piloto da Tyrrell em 1974. Só que ele não chegaria lá. Na última prova do ano ele morreria nos treinos para o G.P. dos EUA.

1974


A divisão na equipe Ferrari ajudou Emerson a ser campeão na McLaren em 1974

Prejudicado em 1973, Emerson Fittipaldi acabaria beneficiado em 1974. Inconformado por não ter sido considerado primeiro piloto, Emerson abandonou a Lotus e foi pra McLaren, uma equipe que até então nunca havia sido campeã. Desta vez o papel se inverteu. Emerson esteve absoluto na nova equipe, enquanto que sua maior rival de então, a Ferrari, deixou que seus pilotos Niki Lauda e Clay Regazzoni se digladiassem. Repetia-se a história de 1973. O melhor carro, desta vez, a Ferrari, não ganharia o título, que ficaria para a McLaren, com Emerson se tornando bicampeão do mundo.

1981

Nélson Piquet se beneficiou do ódio recíproco entre os pilotos da Williams para ganhar o título de 1981 com um Brabham Ford.

Em 1981, foi a vez de mais um brasileiro, Nélson Piquet, da Brabham, se aproveitar de um duelo feroz travado dentro da equipe Williams, entre Carlos Reutemann e Alan Jones. O argentino Reutemann liderou quase o campeonato inteiro até perder o título para Piquet na última prova em Las Vegas. Prova vencida, aliás, por Jones, que não fez a menor questão de esconder no pódium toda a sua alegria pelo título não ter ido para o seu "companheiro" de equipe.

1982



Pódium do G.P. de San Marino de 1982 : Gilles Villeneuve parece não acreditar o que Didier Pironi fez. A guerra estava declarada, mas o canadense viveria só mais duas semanas.

Já no ano seguinte teríamos a rivalidade mais curta e trágica da história da F1. Gilles Villeneuve e Didier Pironi eram os pilotos da Ferrari. Havia uma política dentro da equipe de Maranello que dizia que quando seus pilotos tomassem a liderança de uma prova, as posições deveriam ser mantidas para evitar surpresas. Foi o que aconteceu no G.P. de San Marino, quando o líder da prova Rene Arnoux, da Renault, quebrou, deixando a liderança para Villeneuve com Pironi em segundo. O boxe da Ferrari pediu para os pilotos manterem as posições, mas Pironi desobedeceu e passou o canadense na última volta. Villeneuve ficou revoltado e prometeu nunca mais falar com Pironi. A guerra estava declarada, mas não duraria duas semanas.

Na corrida seguinte, na Bélgica, ao tentar superar o melhor tempo de Pironi nos treinos, Villeneuve bateu no March de Jochen Mass, o que fez seu Ferrari levantar vôo, se desintegrando no ar e atirando o canadense fora do carro matando-o quase instantaneamente. Com a morte de Villeneuve, Pironi ficou absoluto na Ferrari e liderava o campeonato com facilidade até sofrer um gravíssimo acidente nos treinos para o G.P. da Alemanha, tendo múltiplas fraturas nas pernas. Mesmo fora das últimas 5 provas, Pironi acabou perdendo o mundial por apenas 5 pontos para Keke Rosberg da Williams. Nunca uma rivalidade custou tanto.

1986



Por fim chegamos a 1986, último ano em que três pilotos entraram na prova final do ano com chançes de título e, curiosamente, também a última vez que uma disputa interna custaria um mundial. A Williams, com Nelson Piquet e Nigel Mansell, teve o melhor carro do ano e o inglês chegou na Austrália dependendo de um 4º lugar para ser campeão. Alain Prost, da McLaren corria por fora. Este, durante a corrrida, teve um pequeno furo de pneu e trocou por compostos novos. Foi sua sorte. Os pneus que a Good-Year escolheu para a corrida tinham um erro de composição, e eles começaram a se deteriorar rapidamente.

O final foi cinematográfico. Com o título sendo decidido, houve uma hesitação por parte das equipes, pela troca ou não dos pneus, e com ela veio o caos. Keke Rosberg, companheiro de Prost, que liderava, abandonou com um furo. Piquet passou a líder, seguido por Prost e Mansell. Foi quando o inglês teve um estouro de pneu assustador em plena reta e com muito custo conseguiu evitar um acidente maior. Mas estava fora. Piquet e Prost decidiriam quem seria o campeão. Como os pneus de Piquet estavam aos frangalhos, não havia o que fazer, a não ser trocá-los. Prost passou a líder e ganhou a corrida e o mundial. A Williams viu seu título evaporar em poucas voltas.

Voltando a 2007, o que pode acontecer em Interlagos ? O título está nas mãos de Hamilton, não resta dúvida. Só que em 1986 também tudo parecia favorecer Mansell e deu no que deu. "Carreras são carreras" como diria o pentacampeão Juan Manuel Fangio. Jogar contra Alonso pode ser uma aposta arriscada de Ron Dennis. É brincar com a sorte. E o destino costuma pregar peças.

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