sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Muito além de Maranello ( Parte IV )

A disputa interna entre Ronnie Peterson e Emerson Fittipaldi foi
 decisiva para a derrota da Lotus no Mundial de Pilotos de 1973.
Erro que Colin Chapman não repetiria em 1978.

             Depois da derrocada da Ferrari na temporada de 1990 seriam passados muitos anos até que uma equipe perdesse novamente a oportunidade de ser campeã devido a uma guerra interna entre os seus pilotos. Durante o período entre 1973 e 1990, em 18 mundiais isso aconteceu 6 vezes, exatos 1/3, um número bastante relevante. Mas nos 18 anos seguintes ( 1991 / 2009 ) , isso só aconteceria uma única vez. O que será que mudou ?
              Para entendermos vamos voltar precisamente para o ano que marcou a primeira "guerra" : 1973. Como já foi dito, a divisão na Lotus entre Emerson Fittipaldi e Ronnie Peterson foi fundamental para a derrota da equipe de Colin Chapman e a vitória de Jackie Stewart da Tyrrell  que tinha François Cevert como seu escudeiro. Emerson pediu para Chapman que ele deveria ser o 1º piloto da Lotus porque afinal era o campeão de 1972. Mas Chapman não concordava. Ele achava que o mais importante era a Lotus vencer, e no final do ano parecia satisfeito, afinal a Lotus tinha vencido o Mundial de Construtores de 1973. 

Peterson voltou à Lotus em 1978 com uma
condição : ser o 2º piloto de Mario Andretti.
              No entanto Chapman não demorou muito para perceber que cometera um equívoco. A importância de um título de Construtores na F-1 é irrelevante se comparada com a uma de pilotos. A petrolífera francesa Elf que patrocionava a Tyrrell vinculou a imagem da marca com o título obtido em diversas propagandas : "Jackie Stewart, campeão mundial de 1973 pilotando uma Elf Tyrrell Ford". Já os cigarros John Player Special da Lotus limitava-se a dizer que era campeã mundial de construtores de F-1, um título menor, de pouca vinculação e de pouco compreenção para quem não entendia de F-1. Chapman percebeu que o título de construtores nada mais era do que um prêmio de consolação para quem não ganhou o título que realmente interessava : o de pilotos. Um erro que Chapman não iria cometer novamente.
   
          Para piorar a Lotus entrou numa crise que durou alguns anos. Emerson já tinha deixado a equipe no final de 1973 e Peterson simplesmente abandonou a Lotus no início de 1976, em plena temporada, por acreditar que os carros jamais voltariam  a ser competitivos. Erro que se arrependeria. No ano seguinte, Chapman criou o carro de efeito-solo, uma revolução na F-1, e a Lotus aparecia como favorita para o Mundial de 1978.  Seu piloto principal era o ítalo-americano Mario Andretti que estava na equipe desde 1976. Uma vaga estava aberta já que o outro piloto, Gunnar Nilsson, descobrira que tinha câncer e teria que abandonar as pistas para se tratar ( Ele morreria em outubro de 1978 ) . Peterson se candidatou, mas Chapman impôs uma condição : ele teria que ser o 2º piloto de Mario Andretti. Sem opções, Peterson aceitou.
Peterson se quisesse poderia ter lutado pelo título de
1978, pois era tão ou mais rápido que Andretti.
Mas não o fez.
               A Lotus venceria em 1978 tanto o Mundial de Contrutores como o de Pilotos, com Andretti sendo campeão e Peterson vice, fato que não acontecia numa equipe de F-1 desde a Brabham em 1967. A Lotus estabeleceria um recorde de vitórias na F-1 : oito, sendo seis de Andretti, duas de Peterson e um total de quatro dobradinhas sempre com o americano na frente.  Um domínio absoluto. No entanto ficou claro que o sueco obedecia as ordens de Chapman e que, se quisesse, poderia ser tão ou mais rápido que Andretti. Questionado por muitos porque aceitava o jogo de equipe, Peterson dizia que assinou  para ser o 2º piloto e cumpriria a promessa, pois quebrar o contrato significaria uma traição à Chapman que afinal acreditou nele quando muitos chefes de equipe o consideravam acabado para a F-1.

            O retorno à Lotus em 1978 foi uma redenção para Peterson que sentiu-se revitalizado. O sueco voltou a ser valorizado e achava que ainda poderia ser campeão. Mas não na Lotus. Como não queria ser  novamente "o segundo de Andretti", assinou com a McLaren para ser o 1º piloto da equipe em 1979, ano que não viveria. Na largada do G.P. da Itália de 1978, um terrível acidente envolveu 10 carros. Peterson foi retirado do Lotus com as pernas destruídas, morrendo de embolia no dia seguinte.

           A tragédia de Peterson acabou criando um  clima de comoção na F-1 e os jogos de equipes passaram a ser mais questionados. Coincidência ou não foi o período que vários pilotos se insurgiram contra determinações das equipes como foi o caso de Reutemann na Williams em 1981, Pironi na Ferrari em 1982 e Arnoux na Renault também em 1982. Somados a eles, a divisão na Williams em 1986 e a "revolta" de Mansell na Ferrari em 1990, marcaram um curto período de 10 anos em que 5 títulos foram perdidos por rivalidade dentro das equipes. E das grande apenas uma não perdeu dessa forma nesse período : a McLaren. Ron Dennis sempre gostou de dizer que sua equipe era a mais organizada da F-1 e a que nunca fazia jogo de equipe. Organizada pode ser, mas quanto ao jogo de equipe...

Reutemann não aceitou ser o escudeiro de
Jones na Williams em 1981. Queria ser o campeão.
No final, nenhum deles ficaria com o título.

            Dennis, de certa forma, seguiu a idéia de Luca di Montezemolo em 1975 : "o melhor piloto da equipe tem que vencer". Luca fez isso quando definiu Niki Lauda, e não Clay Regazzoni, como o piloto da Ferrari que deveria ser o campeão daquele ano.  Dennis partiu da mesma premissa : foi assim com Alain Prost em 1986 em relação à Keke Rosberg,  Ayrton Senna em 1990 e 1991 em relação à Gerhard Berger, Mika Hakkinen em 1998 e 1999 em relação à David Coulthard  e Lewis Hamilton em 2008 em relação à Heikki Kovalainen . Em todos esses casos havia uma disparidade proposital muito grande entre os pilotos para evitar o que Ron Dennis mais temia : o conflito. Além disso a hierarquia na equipe deveria ser obedecida e os pilotos escolhidos para servirem de "escudos" deveriam acatar as ordens, sem contestação. Não foi por acaso que pilotos como Berger e Coulthard , dois "bon vivants" foram contratados.

  "Bon Vivant" e querido por todos na F-1, David Coulthard acabava
    virando uma marionete nas mãos de Ron Dennis. O episódio do
G.P. da Bélgica de 1998 seria um exemplo disso.
                
                 O escocês inclusive seria protagonista de um dos acidentes mais absurdos envolvendo segundos pilotos. Em 1998, Schumacher da Ferrari e Hakkinen da McLaren, disputavam o título ponto a ponto. No G.P. da Bélgica disputado debaixo de um dilúvio, o alemão ia dar uma volta de vantagem sobre Coulthard. O escocês não abria caminho. Jean Todt, chefe de equipe da Ferrari, foi reclamar com Ron Dennis. Coulthard resolveu "abrir caminho" simplesmente tirando o pé do acelerador na frente de Schumacher que sem enxergar nada, devido a nuvem de spray levantada pelo McLaren, bateu na traseira do escocês ( ver vídeo abaixo ) . Uma atitude irresponsável, já que todos sabem no automobilismo que numa corrida com chuva nunca se deve tirar o pé do acelerador numa reta, principalmente sabendo que tem alguém atrás. Schumacher invadiu os boxes e quase agrediu Coulthard perguntando : "você quis me matar ? ". Os ingleses ficaram do lado de Coulthard, culpando Schumacher. O escocês jurava inocência. Mas anos depois quando saiu da McLaren admitiu que, de fato, errou...


               O fato de Coulthard ter admitido o erro não significa porém que o acidente foi intencional. Isso ninguém saberá. O que não foi o caso de Nelsinho Piquet no G.P. de Cingapura em 2008. Ao reconhecer que jogou seu próprio carro no muro devido a um pedido do chefe de equipe da Renault, Flavio Briatore, e do engenheiro-chefe, Pat Symonds, para facilitar a vitória de seu companheiro de equipe, Fernando Alonso,  a F-1 viveu um de seus momentos mais negros. Mostrou até que ponto uma equipe poderia usar um segundo piloto para atingir um objetivo. No entanto, uma dúvida paira no ar ainda : quantos casos mais ou menos parecidos aconteceram e ninguém ficou sabendo ?

              Voltando ao "modus operandi" da McLaren, Dennis evitava ao máximo criar um clima de animosidade entre seus pilotos determinando claramente quem era o seu piloto principal. Mas nem sempre isso era possível. Por quatro vezes a equipe teve dois grandes pilotos que se equiparavam. Menos mal que em três desses casos a superioridade da McLaren era tão grande que acabou não atrapalhando a disputa do título : em 1984, com Niki Lauda e Alain Prost ; e em 1988 e 1989 com o mesmo Prost e Ayrton Senna. Mas o mesmo não aconteceria em 2007.


  A guerra interna  entre Alonso e  Hamilton
foi o principal responsável pela derrota da equipe inglesa
em 2007. O ambiente era insuportável.  

              2007 ficou marcado como o único ano da história que a McLaren perdeu o título por uma disputa interna entre seus pilotos. Aconteceu o que Dennis receiava e sempre evitou : a equipe ter dois grandes pilotos mas não ter um carro superior a concorrência. A equipe contratou o bi-campeão Fernando Alonso para ser o seu principal piloto e ao lado dele, Lewis Hamilton, estreante na F-1, que era o piloto de testes da equipe. Ninguém poderia imaginar que o inglês seria páreo para o espanhol, mas foi. Além disso a mídia inglesa estimulou Hamilton a se voltar contra Alonso. Estava armada a guerra. Dennis perdeu o controle sobre a equipe e viu na última prova do ano Kimi Raikkonen da Ferrari ser campeão em cima da dupla da McLaren. Como o ambiente se tornou insuportável, Alonso deixou a equipe e voltou à Renault. No lugar dele a McLaren contratou o fraco Kovalainen para ser o 2º piloto de Hamilton no ano seguinte. Tudo voltara ao normal. Sem conflitos internos o inglês seria o campeão em 2008.

                Na próxima coluna a quinta e última parte de "Muito além de Maranello"

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Muito além de Maranello ( parte III )

A rivalidade entre Piquet e Mansell não só fez a Williams
perder o mundial de pilotos de 1986
como o próprio motor Honda para a McLaren em 1988

             Na temporada de 1986 a equipe Williams foi a campeã mundial de construtores com 141 pontos contra 96 da McLaren e venceu 9 corridas no ano contra apenas 4 da também McLaren. Mesmo assim conseguiu perder o título mais importante, o de pilotos. Como isso pode acontecer ?

             Tudo começou quando em meados de 1985 a Williams anunciou que havia contratado Nelson Piquet para ser o primeiro piloto da equipe no ano seguinte. Então bi-campeão do mundo, o brasileiro era o melhor acertador de carro da F-1 e cairia como uma luva numa equipe que precisava dar um salto de qualidade depois de passar alguns anos desenvolvendo os motores Honda. Nigel Mansell seria seu companheiro de equipe, um piloto rápido, mas que com mais de 70 GPs disputados acabara de conquistar, no final de 1985, sua primeira  vitória na F-1 . O inglês não parecia então ser uma ameaça ao brasileiro.

             A situação começou a se complicar quando um grave acidente na estrada deixou o dono da equipe, Frank Williams, paralítico no ínicio de 1986. Frank ficaria vários meses hospitalizado e só voltaria a frequentar as corridas em julho. Piquet perderia nesse tempo o seu principal aliado, o homem que fora o principal responsável por sua contratação. Influenciado pela mídia britânica, a Williams começou a dar preferência à Mansell que venceu quatro corridas até o meio do ano contra apenas uma de Piquet. O brasileiro resolveu reagir a partir do G.P. da Alemanha quando declarou abertamente que não passaria mais informações para a equipe que trabalhava para o inglês. "Eles copiam o acerto que faço no meu carro para o carro do Mansell. E nunca tem retorno".  Deu certo. Nas quatro corridas seguintes, Piquet venceu três. Quando a F-1 chegou para a última corrida do ano na Austrália, Mansell, Piquet e Alain Prost, da McLaren, disputavam o título. Com a equipe dividida, a Williams fez uma corrida desastrosa do que se favoreceu Prost para ganhar a prova e o Mundial.

Com a acidente de carro de Frank Williams, Piquet perderia em
boa parte de 1986 seu principal aliado. Quando Frank voltou
as pistas em julho, o conflito na equipe já estava instalado.
                          
              Bombardeada por uma chuva de críticas ao perder um título de pilotos por total falta de comando, Frank Williams se defendeu declarando que não se fazia mais ( referindo-se ao episódio Jones-Reutemann em 1981 ) jogo de equipe dentro da Williams. Parte da mídia inglesa abraçou essa causa, mas os japoneses da Honda não. A perda do Mundial com um carro e um motor superior aos demais foi considerada inadmissível. Surgiu nesse instante a figura de Ron Dennis e a derrota de 1986 ainda custaria muito caro para a Williams.

               Ron Dennis, chefe de equipe e acionista da McLaren tinha um objetivo : tirar o motor Honda da Williams. Mesmo sendo tricampeã de pilotos entre 1984 e 1986, Dennis percebia que a McLaren com seus motores TAG Porsche perdia terreno e  já não era páreo para os Honda que equipavam à Williams. Quando a Williams perdeu o mundial de 1986, Ron Dennis viu surgir a oportunidade que esperava. Foi em busca dos japoneses com um pensamento claro : "A McLaren é a melhor opção para a Honda. Aqui não é a Williams.  Perder um título como eles perderam em 1986 jamais acontecerá na McLaren". A Williams Honda se redimiria em 1987 e venceria tanto o mundial de pilotos, com Nélson Piquet, como o de construtores. Mas isso não bastou : a Honda iria trocar a Williams pela McLaren em 1988...

    Ron Dennis para os japoneses da Honda :
   Fiquem conosco. A McLaren não é a Williams...

              As consequências de 1986 foram devastadoras para a Williams. A equipe havia feito todo o desenvolvimento dos motores Honda desde 1983. Quando esse motor atingiu o ápice a equipe não desfrutou totalmente dessa glória e entregou para a McLaren que iria colher os louros. No final das contas a Williams venceria com a Honda apenas em 1987, enquanto a McLaren teria uma hegemonia de quatro anos ( 1988 - 1991 ) com os japoneses.

               O curioso é que a McLaren constantemente coloca em cheque a postura ética da Ferrari. Mas Ron Dennis não pensou duas vezes em "passar para trás" à Williams nesse caso, mesmo sabendo que foi ela que desenvolveu o motor Honda durante cinco anos e que um acordo da McLaren com os japoneses significaria também que a Williams ficaria sem motores para 1988. Será que os ingleses, antes de falar da Ferrari, acham que isso é um exemplo de conduta ?

              A guerra que aconteceu entre os pilotos na Williams em 1986, também aconteceria na McLaren em 1989 com Alain Prost e Ayrton Senna, só que com uma diferença fundamental. O domínio que a equipe de Dennis teria em 1988 e 1989 era tão avassalador que nem mesmo o conflito entre seus pilotos foi capaz de ameaçar o título da McLaren. O brasileiro venceu em 88 e o francês em 89, saindo logo depois para defender a Ferrari em 1990. No lugar de Prost na McLaren entrou o austríaco Gerhard Berger que passaria a ser, de certa forma, o que François Cevert foi para a Tyrrell no início dos anos 70.


 A McLaren contratou Berger para ser o 2º piloto de Senna.
 O austríaco utilizou algumas manobras pra lá de discutíveis.
Será que a McLaren esqueceu disso ?

                Berger foi contratado para ser o 2º piloto de Senna. Este nunca teve dúvidas de que o austríaco jamais seria uma ameaça para ele, simplesmente pelo fato de ter consciência que era muito superior à Berger, que sabia disso, assim como Cevert sabia em relação à Stewart. O objetivo de ambos era facilitar o caminho rumo ao título da estrela maior da cia. . As semelhanças terminavam no entanto aí. Cevert teria sido o substituto de Stewart se não tivesse morrido antes, já Berger jamais foi colocado como tal. Outra diferença : Berger estava disposto a qualquer coisa para ajudar Senna a conquistar títulos, até usar manobras ilícitas.  Coisa que Cevert nunca fez. A temporada de 1990 seria um exemplo disso.

                 1990 seria também o último ano do século que uma equipe dividida permitiria que outra levasse vantagem e vencesse o título. A situação da McLaren era clara mas a da Ferrari...

                  A equipe italiana além do recém contratado Prost contava com Nigel Mansell que estava lá desde o ano anterior. Sem ter o apoio que tinha na Williams contra Piquet, o inglês era superado constantemente pelo francês. No meio do ano, já sem chance de ser campeão, tomou uma decisão "posso não ser campeão, mas Prost também não será...". Sua atitude revelaria uma profunda mágoa por entender que Prost jogava a equipe contra ele. No G.P. de Portugal, Mansell chegou a um ponto de literalmente jogar o carro em cima de Prost na largada ( ver vídeo abaixo ) numa manobra inacreditável. E pior, no pódium, levantou o braço de Senna como se fossem amigos ( nunca foram ) e também como uma forma de saudar quem ele achava que, de fato, merecesse o título, ignorando totalmente Prost que, ao seu lado, atônito, não entendeu nada...



  
               Se a Ferrari vivia o caos, na McLaren tudo girava em torno de Senna. Berger apenas obedecia. O negócio era fazer o brasileiro ser campeão, não importava como. O melhor exemplo aconteceu na largada do G.P. da Bélgica, quando a única preocupação do austríaco foi o de jogar o carro em cima de Prost para que Senna não perdesse a liderança. Foram duas vezes ( ver vídeo abaixo ), já que a 1ª largada foi anulada, uma em cada largada, sendo a segunda escandalosa.  Berger não receberia nenhuma punição numa época em que a FIA começou a perder o controle sobre a atitude de determinados pilotos. O final do campeonato todos sabem : Senna para se vingar do acidente do ano anterior, quando perdeu o título para Prost, bateu de propósito no francês na largada do G.P. do Japão e foi o campeão. De qualquer forma, a Ferrari mais uma vez perdeu um título por não saber conter o ímpeto do seus pilotos e desta vez pelo puro prazer de Mansell, que não tinha mais chance de ser campeão,  ver Prost, que disputava o título, ser também derrotado.




                Na próxima coluna  a quarta parte de "Muito além de Maranello".                    

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Muito além de Maranello ( Parte II )


   François Cevert, escudeiro de Jackie Stewart na Tyrrell em
    1973, esperava ser o 1º piloto da equipe em 1974. 
  Não teve tempo. Morreu antes.

                  No final da temporada de 1973, Emerson Fittipaldi trocou a Lotus pela McLaren com a certeza que teria lá o que faltou na equipe de Colin Chapman naquele ano : a garantia de que ele seria o 1º piloto da equipe. Campeão do Mundo pela Lotus em 1972, Emerson viu sua soberania ser ameaçada na equipe quando o veloz sueco Ronnie Peterson foi contratado para ser seu companheiro no ano seguinte.  Emerson entendia que, como campeão, merecia ser o 1º piloto da Lotus. Chapman não entendia assim e deixou que seus pilotos lutassem entre si pelo título.

                   Faltando ainda três corridas para o fim do Mundial apenas Emerson e Jackie Stewart, da Tyrrell, ainda tinham chances de serem campeões. No G.P. da Itália, em Monza, Emerson precisava vencer para continuar na disputa pelo título, e vinha em segundo na prova atrás de Peterson. O brasileiro ficou esperando uma ordem de equipe para Peterson  deixá-lo passar. Essa ordem nunca veio. Emerson chegou em segundo e Stewart foi o campeão.

                   Emerson ficou furioso e preferiu trocar de equipe. A imprensa brasileira apoiou seu piloto achando que a Lotus deveria ter feito jogo de equipe e dado a vitória a Emerson. Interessante, o jogo de equipe tão criticado, passa a ser aceito dependendo de quem sejam os envolvidos. Esse caso foi o primeiro que um piloto brasileiro esteve diretamente ligado. E não estamos falando de um passado muito distante não. Seriam muitos ainda, contra e a favor...
                       
Nem a amizade entre Ronnie Peterson e Emerson Fittipaldi
  foi capaz de dar a Lotus o título de pilotos de 1973.
A equipe não deu prioridade a ninguém. E perdeu.

                   O jogo de equipe sempre fez parte da história da F-1. Nos anos 50 chegava-se a um ponto que um piloto poderia abandonar uma corrida e ceder o seu carro a um companheiro de equipe. Depois isso foi proibido. Mas o jogo continuou de qualquer forma. A temporada citada de 1973 entrou na história como a primeira que uma equipe com um carro nitidamente superior, no caso a Lotus, perdeu o título por não ter havido uma determinação de qual de seus pilotos deveria vencê-lo. Se faltou isso a Lotus, não faltou a Tyrrell,  que deixou claro desde o início que Jackie Stewart seria o 1º piloto e que o seu companheiro de equipe, o francês François Cevert, seria seu escudeiro.

                    Cevert se tornaria o segundo piloto clássico, o primeiro claramente nessa missão. Mas ele era mais do que isso. Ao entrar na Tyrrell em 1971, Cevert se tornou amigo íntimo de Stewart que virou também professor e mentor do francês  com um objetivo : ele seria seu substituto na Tyrrell quando se aposentasse. A dupla fez um total de seis dobradinhas em três temporadas, sempre com Stewart na frente, um recorde que duraria 15 anos e só seria batido pela McLaren em 1988 com Senna e Prost. Cevert nunca reclamou de sua condição de segundo piloto sabendo que seria recompensado no futuro, quem sabe já em 1974. Mas ele não chegaria lá. Nos treinos para o G.P. dos EUA, última prova do Mundial de 1973, ele sofreria um acidente fatal. Stewart se aposentou, não deixou herdeiros e a Tyrrell jamais se recuperaria dessa tragédia.
                       
   Cena comum da Tyrrell no início dos anos 70.
  Jackie Stewart lidera sendo seguido por seu pupilo
 François Cevert que segurava o resto.
  
                      A divisão de equipe que acabou definindo o título contra Emerson Fittipaldi em 1973, também definiria o Mundial de 1974, só que agora a favor do brasileiro. Sua condição de 1º piloto da McLaren foi primordial para isso, porque assim como a Lotus em 1973, a Ferrari teve em 1974 o grande carro da temporada, mas também deixou seus pilotos, Niki Lauda e Clay Regazzoni, se tratarem como rivais, tirando pontos um do outro e oferendo o título à Emerson, que tinha um carro bem inferior. A perda do título de 1974 serviu de lição para Luca di Montezemolo, então diretor esportivo da Ferrari. Isso mudaria para sempre o modo em que Luca gerenciaria a equipe de Maranello não só como diretor, mas como presidente a partir dos anos 90.

                   Sua primeira decisão foi definir Niki Lauda como o primeiro piloto da Ferrari para 1975. O austríaco, ainda imaturo, cometera alguns erros em 1974, mas era claramente superior à Regazzoni. Luca entendia que o melhor piloto deveria ter preferência e que perder um título com um carro melhor é inadmissível. Montezemolo não se arrependeria. Lauda venceria o mundial com facilidade, sendo depois campeão também em 1977, e só não sendo tricampeão seguido devido ao seu terrível acidente no G.P. da Alemanha em Nürburgring, em 1976, quando ficou em estado de coma, chegando a receber a extrema unção. Lauda sobreviveria, mas ficaria de fora duas corridas, do que se aproveitou James Hunt da McLaren para ganhar o Mundial com um ponto de vantagem sobre o heróico Lauda.

     Os erros de 1974 não poderiam mais ser cometidos. 
     Luca di Montezemolo definiu que Lauda seria o homem
a ser laureado em 1975. Acertou.
 
                      A mesma diferença de pontos decidiu o Mundial de 1981 a favor de Nélson Piquet. A história de 1973 e 1974 se repetiria. O brasileiro da Brabham era soberano na equipe, enquanto na Williams imperava o caos. Alan Jones, o então campeão, era o 1º piloto da equipe e Carlos Reutemann, o segundo, com um contrato assinado determinando-o como tal.  No G.P. do Brasil, no Rio de Janeiro, liderava a prova com Jones em segundo quando recebeu ordem da equipe para ceder a posição para o australiano. Mas o argentino não quis saber. Peitou a equipe e venceu a prova. Jones nem quis subir para o pódium e eles nunca mais se falaram. A guerra estava declarada. A equipe rachou ao meio do que se aproveitou Piquet para ser campeão na última prova.

                   Em 1982 a F-1 assistiria a rivalidade mais curta e trágica de sua história entre dois pilotos de uma equipe. Durou apenas duas semanas. A tragédia se consumou pela falta de comando do diretor esportivo da Ferrari, Marco Piccinini, substituto de Montezemolo que havia assumido um papel na direção da FIAT desde o final dos anos 70. Existia uma determinação na Ferrari que caso seus dois pilotos estivessem liderando a prova, as posições deveriam ser mantidas. Ou seja, disputa por posição só do 2º lugar para trás. Gilles Villeneuve havia obedecido cegamente essa determinação em 1979, o que contribuiu para que seu companheiro de equipe na Ferrari, Jody Scheckter, fosse o campeão naquele ano. No G.P. de San Marino de 1982 (ver vídeo abaixo) , os carros da Renault lideravam com as Ferrari de Villeneuve e Didier Pironi atrás. Quando as Renault quebraram, Villeneuve acreditou que Pironi faria o trato. Estava errado.



                          
                   Até então não havia o menor sinal de animosidade entre os dois. Pelo contrário, eram amigos, pelo menos Villeneuve pensava assim. Ao assumir a liderança em San Marino o canadense estava com um pequeno problema no turbo, mas como Pironi aparentemente não seria uma ameaça, ele acreditou ter a vitória nas mãos. Foi com surpresa que Villeneuve viu Pironi passar por ele. Os pilotos trocaram de posições várias vezes, o que pareceu para o canadense que fosse um show orquestrado por Pironi para entreter o público italiano. Não era. Pironi ganhou a prova deixando o canadense pasmo, por acreditar que ele fosse abrir no último instante. Ao ser questionado por Gilles após a prova, Marco Piccinini não tomou posição, e não reprimiu Pironi. Villeneuve se sentiu traído pelos dois. Jurou vingança. Duas semanas depois, morreu em um acidente nos treinos para o G.P. da Bélgica quando tentava a todo custo superar o tempo de...Pironi.

  A rivalidade entre Didier Pironi e Gilles Villeneuve foi a
mais curta da história da F-1 : durou apenas duas
semanas. Mas foi também, a mais trágica.

                     Morto Villeneuve, a temporada de 1982 estava ainda muito longe do seu epílogo. Pironi se viu de repente como a única opção da Ferrari para arrebatar o título. E para facilitar as coisas para o francês estava nascendo um outra rivalidade, agora entre os pilotos da Renault, Alain Prost e Rene Arnoux. No GP da França, Arnoux liderava com Prost atrás. Mais uma ordem de equipe foi dada e mais uma não foi obedecida... Arnoux se recusou a dar a vitória para Prost. Racha na Renault, do qual se aproveitou Pironi para se tornar ainda mais favorito ao Mundial. Com uma larga vantagem de pontos, o título parecia certo, mas o destino não quis assim. Nos treinos para o G.P. da Alemanha, um terrível acidente acabou não só com o sonho de título de Pironi, mas também com sua carreira devido a gravíssimas fraturas nas pernas. No final das contas nem Ferrari e nem Renault arrebataria o título de 1982, o campeão seria a Williams com Keke Rosberg, que esteve muito longe de ter o melhor carro do ano.
                   
                      Na próxima coluna a terceira parte de "Muito além de Maranello"


sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Muito além de Maranello ( Parte I )

  O acidente entre Vettel e Webber no G.P. da Turquia  
serviu de alerta para a Ferrari
                  
            O Mundial de F-1 vai se aproximando do seu clímax final e ainda cinco pilotos tem boas chances de arrebatar a coroa de campeão de 2010. É um fato bastante incomum ter tantos candidatos potenciais ao título faltando tão pouco, mas o curioso é perceber que isso está em segundo plano. O que interessa ainda no circo da F-1 é satanizar a equipe Ferrari que parece ser a única responsável por todas as mazelas que aconteceram na categoria nos últimos 60 anos.

            O episódio do G.P. da Alemanha, em que Massa abriu para Alonso assumir a liderança, reabriu a velha discussão da validade do jogo de equipe, que aliás tem mais é que ser discutida mesmo. O problema é querer punir a Ferrari e esquecer o resto, como se fosse privilégio italiano fazer essa armação. Então é bom que seja dito, as outras equipes já fizeram ( e fazem ) jogo de equipe. Esse ano mesmo tivemos um outro caso e ninguém falou nada...

             Em primeiro lugar é impossível proibir esse jogo, porque existem várias formas de fazê-lo : a  descarada, que foi o que a Ferrari fez com Massa, e a sutil, que é bastante utilizada e, como o próprio nome diz, muitas vezes passa despercebida. Para tentar entendê-las, vamos começar pelo "caso Ferrari".  

 A Ferrari não quis correr qualquer risco de acidente e optou vencer o
G.P. da Alemanha com segurança. Alonso não consegue
conter a alegria. Já Felipe Massa...
                   
             No G.P. da Alemanha, Massa liderava e perdia terreno para Alonso que via Vettel se aproximando. Na F-1 de hoje é muito difícil ultrapassar, Alonso mesmo sendo mais rápido que Massa,  não o era  suficiente para passá-lo com segurança. O espanhol iria então ficar espremido entre o brasileiro e Vettel. O que a Ferrari pensou ? Vai se repetir o que aconteceu com a Red Bull no G.P. da Turquia quando Webber era líder e Vettel vinha se aproximando com Hamilton colado.

               Se delineava então a mesma situação : dois carros de uma equipe na frente - Red Bull na Turquia, Ferrari na Alemanha  e um carro de uma outra equipe em terceiro pressionando. E o que aconteceu em Istambul ? Os carros da Red Bull bateram ( ver video abaixo ) , entregando de bandeja uma vitória mais do que certa para a McLaren de Lewis Hamilton. Então qual foi o dilema  que viveu a Ferrari em Hockenheim ? Entre o risco de haver um acidente entre os seus dois carros e a certeza que com uma ordem de equipe seriam criticados mas garantiriam a vitória,  os italianos optaram pelo segundo. Estão errados ? 



               O que não dá pra entender é a falta de coerência que existe no meio da F-1. Quando os Red Bull se chocaram na Turquia a ordem geral foi meter o pau na equipe austríaca. Disseram que era inadmissível dois carros da mesma equipe se envolverem em um acidente, e pior, quando lideravam a prova ! Ou seja, seria melhor Webber, que era mais lento, abrir caminho para Vettel. Pois não foi justamente o que a Ferrari fez na Alemanha ? E os italianos foram crucificados por isto. Não, não dá pra entender, nem com boa vontade.

Jenson Button foi prejudicado por
uma decisão da McLaren no G.P. da
Turquia e ninguém falou nada...
           A definição do que é um jogo de equipe também ter que ser melhor entendida. Este da Ferrari é evidente, descarado. E o sutil ? Pois bem, aí é que está o principal problema e o que inviabilizou qualquer possibilidade de punição exemplar da FIA à Ferrari, já que para haver justiça tem que se punir qualquer tipo de jogo de equipe. E essa armação "discreta" aconteceu na mesma corrida na Turquia, quando após o acidente das Red Bull, as McLaren de Hamilton e Button passaram a liderar a prova. Qual foi a primeira mensagem que a equipe inglesa passou para seus pilotos ? "Poupem combustível" !!! Reveladora, não ?
    
              Se vocês repararem Button chegou a ensaiar uma tentativa de ultrapassagem sobre Hamilton e depois devolveu a posição. Hamilton ficou furioso e mesmo ganhando, pouco sorriu no pódium. Depois foi reclamar com a equipe. "Vocês não pediram para poupar combustível ? Como o Button faz isso ?"  Em tempo, "poupar combustível" é uma forma singela de dizer : "mantenham as posições, não ultrapassem". Um jogo de equipe clássico, evidenciado quando o próprio Hamilton perguntou à McLaren se poupar combustível significaria também que Button não tentaria ultrapassá-lo ( ver video abaixo )



              Resumo da ópera : a Ferrari na Alemanha e a McLaren na Turquia fizeram de forma diferente a mesma coisa - optaram por vencer a corrida, sem riscos.  E  a grande maioria dos jogos de equipes acontece dessa última forma. A equipe pede para seus pilotos não duelarem entre si com dois objetivos : o temor de um acidente ou favorecer o piloto que vem na liderança, o que não deixa de ser também uma armação em ambos os casos. Por isso quando a FIA proibiu esse jogo fez uma burrada sem tamanho, porque não levou em consideração todas essas possibilidades. 

               Nas próximas colunas vamos analisar como o jogo de equipe faz parte da história da F-1, quando o Brasil foi favorecido e prejudicado com essas decisões e porque proibi-lo é uma atitude utópica e ingênua.